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Análise vida pública

Porta-voz da autocrítica americana, intelectual deplorava intervencionismo

ALEXANDRE VIDAL PORTO
ESPECIAL PARA A FOLHA

Gore Vidal tinha tudo para ser presidente dos Estados Unidos: ambição, carisma e contatos.

Desde criança, interessava-se por história e, durante a adolescência, lia regularmente para o avô cego que cumpria mandato como senador do Partido Democrata.

Suas leituras favoritas eram a Constituição americana e a Declaração dos Direitos dos Cidadãos.

Nessas leituras, Vidal travou contato com a descrição de uma América modelar, fundada em princípios ideais de igualdade e justiça social.

Aos 17 anos, em 1942, alistou-se no exército. Aos 20, iniciou uma precoce e bem recebida carreira literária.

No entanto, na publicação de seu terceiro livro, "A Cidade e O Pilar" (1948), deu-se conta de que a América idealizada que aprendera com o avô não existiria para ele e jamais lhe pertenceria.

"A Cidade e O Pilar" conta a história de Jim Willard e sua descoberta e autoaceitação como homossexual.

O livro lhe deu fama, mas estigmatizou-o e causou seu banimento dos suplementos literários de jornais como o New York Times, onde foi barrado durante anos. Mais que isso, a identificação de Gore Vidal como homossexual inviabilizou as possibilidades de sua carreira política.

Ele se candidatou a deputado por Nova York em 1960 e a senador pela Califórnia em 1982, mas não se elegeu.

A América de oportunidades iguais para todos não existia para um homossexual como ele. Haveria, portanto, de contruí-las. Passou a vida comportando-se como se tivesse um papel presidencial a desempenhar na formação de seu país.

Tornou-se o intelectual público, com opiniões sobre todos os temas da agenda política e social americana e as expressava com elegância, inteligência e argúcia. Tornou-se uma espécie de porta-voz da autocrítca nacional.

Assumiu as funções de cronista do que identificava como o processo de degradação americana. Enxergava os EUA conduzidos por presidentes ineptos e com uma população politicamente ignorante e desinteressada. Antes de morrer, previa que ainda se instalaria uma ditadura militar no país.

Ao "Paris Review" declarou que "esperava viver suficiente para ver uma democracia sexual na América".

Criticou todos os presidentes americanos sob os quais viveu, especialmente os republicanos Ronald Reagan e George W. Bush, que detestava.

Deplorava o intervencionismo americano e afirmou à revista "Vanity Fair" que os ataques de 11 de setembro eram consequência da política externa imperialista dos EUA no Oriente Médio.

Ainda assim, é possível dizer que Vidal amava os EUA profundamente e que dedicou a vida a apontar caminhos para sua restauração.

Ele minimizava a importância da homossexualidade em sua vida. Uma de suas frases mais citadas é: "não existem pessoas homossexuais, apenas atos homossexuais".

Ainda assim viveu com seu companheiro Howard Austen por décadas e, no primeiro volume de suas memórias, "Palimpsesto", afirma que jamais amou ninguém como a Jimmy Trimble, seu colega de escola com quem teve um envolvimento romântico e a quem dedicou "A Cidade e O Pilar", ao lado de quem, aliás, passará a eternidade, enterrado no cemitério de Rock Creek, em Washington.

ALEXANDRE VIDAL PORTO, 47, é mestre em direito por Harvard, diplomata e autor de "Matias na Cidade" (Record)

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