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Crítica / Memória

Identidade fraturada inspira relato brilhante

Forasteiro em seu próprio país, o escritor romeno Norman Manea recapitula sua vida em "O Retorno do Hooligan"

ALFREDO MONTE
ESPECIAL PARA A FOLHA

Dois personagens podem ajudar a entender as questões levantadas em "O Retorno do Hooligan", do romeno Norman Manea: Leopold Bloom ("Ulysses") e Sabina ("A Insustentável Leveza do Ser").

Embora irlandês até a medula, Bloom, enquanto judeu, é tratado ao longo do romance de James Joyce (1882-1941) como um estrangeiro.

Mesmo ausentes exteriormente, os signos que conferem identidade genérica ao "judeu" o perseguem.

Já a personagem de Milan Kundera, exilada do regime comunista, deplora que o horizonte de "liberdade" do mundo democrático ocidental se transforme num terreno fértil para o kitsch e para a degradação cultural. O exílio é a sua condição de fato, irrevogavelmente.

Nascido em 1936, em um país fortemente antissemita, Manea passou parte da infância num campo de concentração. Sua família foi repatriada em 1945, para depois vivenciar a caricatura do socialismo perpetrada por Stálin e sua disseminação pelos satélites da União Soviética.

Por triste ironia, o entusiasmo adolescente como militante comunista é o único momento em que ele não se sentiu à parte como cidadão romeno, até perceber o lado farsesco e a retórica mentirosa do regime. Formando em engenharia, se arrastou a contragosto na profissão.

Nos anos 1970, procurou aval psiquiátrico para abandoná-la. Exilou-se em 1986, tornando-se um intelectual polêmico nos EUA.

Manea não é um dissidente "grato". Como Sabina, é um estranho no paraíso.

"Hooligan" (aquele que perturba o jogo por autoexclusão) consciente, em 1997 reluta em voltar à Romênia do pós-comunismo.

Essa perspectiva de se confrontar com sua identidade fraturada de romeno sempre tomado como um forasteiro (como Bloom) o deprime.

Que tipo de retorno poderia aguardá-lo? Ao hesitar diante de tal passo, recapitula sua vida (e a de sua família) de forma brilhante.

Pena que, na última parte, quando narra os eventos da visita, o livro não mantenha seu quilate.

Manea é bom demais para que "O Retorno do Hooligan" deixe de interessar até o fim.

É preciso dizer, porém, que seu texto se torna particular e muito específico, sem falar em certos recursos de gosto duvidoso, quando não tosco (fantasmas que lhe aparecem no quarto de hotel), ao contrário das partes anteriores, que faziam do livro uma espécie de enciclopédia subjetiva do século 20.

ALFREDO MONTE, doutor em teoria literária e literatura comparada pela USP, é professor e criador de blog Monte de Leituras (www.armonte.wordpress.com)

O RETORNO DO HOOLIGAN
AUTOR Norman Manea
EDITORA Amarilys
QUANTO R$ 59,90 (430 págs.)
AVALIAÇÃO bom

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