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Crítica / Romance Narrativa de Boyd carece de boa dose de maldade e lucidez Personagens insípidos comprometem a trama de espionagem do escritor NELSON DE OLIVEIRAESPECIAL PARA A FOLHA Maldade. É o que falta em "À Espera do Amanhecer", romance de William Boyd: uma boa dose de maldade e lucidez. E um ou dois momentos da mais engenhosa crueldade. Dias atrás, os telespectadores brasileiros assistiram à vilã Carminha, da novela "Avenida Brasil", jogar numa cova e ameaçar enterrar viva a indefesa Nina. O capanga de Carminha também disparou uma arma descarregada contra a garota, por puro sadismo. Em horário nobre, as crianças na sala. Faz mais de uma década, desde a estreia das séries "24 Horas", "CSI" e "Família Soprano", que esquartejamentos, pedofilia, tortura e outras práticas hediondas tornaram-se comuns nas ficções de investigação ou espionagem. O sucesso da trilogia "Millennium,", do sueco Stieg Larsson, e dos thrillers de outros autores nórdicos, como o islandês Arnaldur Indridason e o norueguês Jo Nesbo, deve muito à cerebral brutalidade denunciada em suas páginas. ATOR-ESPIÃO No amor e na guerra, os mornos e os mansos são os primeiros a desencarnar. Mas não no livro "À Espera do Amanhecer". Dividido em quatro partes, o romance se passa principalmente em Viena, Londres e Genebra, de 1913 a 1915. Lysander Rief é um jovem ator inglês em apuros amorosos e financeiros. O relacionamento com a libertina Hettie Bull, em Viena, complica ainda mais a sua situação. Acusado injustamente de estupro, o ator só consegue escapar das autoridades austríacas graças à ajuda do consulado britânico. Que logo lhe cobra o favorzinho: no início da Primeira Guerra Mundial, Lysander é recrutado como ator-espião pela inteligência britânica. O maior mérito da obra está na pesquisa histórica realizada por William Boyd. Sua recriação minuciosa de lugares e costumes do início do século 20 europeu é realmente convincente. MORNIDÃO Mas a verossimilhança histórica, sozinha, não é capaz de salvar "À Espera do Amanhecer". Falta a substância humana: a inteligência a serviço do sadismo. William Boyd dirige o tempo todo com o freio de mão puxado. Ele não consegue - ou simplesmente não quer - tirar tudo o que poderia das situações-limite articuladas para enredar Lysander. Ao seu ator-espião faltam malícia e perspicácia. Também faltam manha e astúcia a Hettie Bull e aos demais coadjuvantes. Um protagonista inofensivo seria, digamos, tolerável, se o antagonista fosse uma figura verdadeiramente demoníaca. Mas em "À Espera do Amanhecer" não há uma única alma arrebatadora, a favor ou contra. Boyd foi literariamente mais bem-sucedido - e muito mais maldoso - ao lançar, em 1998, a biografia "Nat Tate: an American Artist". Na verdade, uma falsa biografia de um falso artista injustamente esquecido. A farsa sustentada também por David Bowie e Gore Vidal (1925-2012), entre outros, expôs, com rara crueldade, a superficialidade do sistema nova-iorquino de arte. Texto Anterior | Próximo Texto | Índice | Comunicar Erros |
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