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Crítica Romance

Livro traduz parábola para a literatura comercial

Simples e compreensível,"Manuscrito Encontrado em Accra" conquista leitores ao preservar dose de mistério

IDELBER AVELAR
ESPECIAL PARA A FOLHA

A CRÍTICA TEM SE DEDICADO COM MAIS FREQUÊNCIA A ACHINCALHAR COELHO DO QUE A CUMPRIR SEU PAPEL: ENTENDER O OBJETO

A INSISTÊNCIA NO VALOR DE "ULYSSES" E NA FALTA DE VALOR DE coelho ERA CONTRADITÓRIA COM A OBRA DE JOYCE, QUE NUNCA ESCONDEU SEU GOSTO PELA CULTURA POPULAR

Nos últimos dias, dois acontecimentos envolveram o nome de Paulo Coelho com muita repercussão.

Depois de sua declaração à Folha de que "Ulysses" fez mal à literatura e cabia em um tuíte, Coelho foi violentamente atacado.

As reações não vinham da cultura erudita entrincheirando-se na autodefesa, mas de comentaristas que rendiam culto a um monumento como forma imaginária de comunhão com ele.

Curiosamente, a insistência no valor de "Ulysses" e na falta de valor de Coelho era contraditória com a própria obra de James Joyce, que, apesar de eruditíssimo, nunca escondeu seu gosto pela cultura popular.

Em seguida, coerente com o que defende, Coelho deu apoio ao blog Livros de Humanas, processado pela Associação Brasileira de Direitos Reprográficos por compartilhar PDFs de livros.

Os episódios são relevantes à luz do novo livro do mago, "Manuscrito Encontrado em Accra".

De certa forma, o livro é sobre o que estava em jogo nas polêmicas sobre Joyce e o compartilhamento de PDFs: como se erigem os monumentos? Quem tem direito de reproduzir o quê? Um manuscrito do século 14, encontrado em Accra no século 20, traz as respostas de um copta do século 21 a perguntas ouvidas em Jerusalém, às vésperas da invasão cruzada.

A captura de Jerusalém pelos cruzados em 1099 seria acompanhada do massacre de quase toda sua população judaica e muçulmana.

No átrio em que, um milênio antes, Pôncio Pilatos havia entregue Jesus, o copta disserta sobre o futuro, o amor e a derrota.

O jornalismo e a crítica têm se dedicado com mais frequência a achincalhar Coelho do que a cumprir o seu papel, que é entender o objeto. A versão mais comum para o sucesso de Coelho (é "autoajuda barata"), ainda que fosse verdadeira, não explicaria nada. Coelho fala a milhões. Por quê?

"Manuscrito..." traz uma explicação: traduz, para a literatura comercial moderna, o gênero da parábola.

De larga tradição, a parábola não se reduz à autoajuda porque nela opera o discurso ficcional, desestabilizando a aparente univocidade do ensinamento.

Daí o fascínio de tantos leitores: simples e compreensível, a parábola preserva uma dose de mistério.

A fresta que se abre entre a alegoria e seu sentido fundamenta uma das lições do copta: a circulação infinita dos relatos, negada tanto pelos defensores das hierarquias culturais como pelos guardiões da propriedade privada sobre os textos.

IDELBER AVELAR é professor de literatura na Universidade Tulane (EUA), autor de "Alegorias da Derrota" (2003) e "Figuras da Violência" (2011), entre outros. É colunista da revista "Fórum"

MANUSCRITO ENCONTRADO EM ACCRA

AUTOR Paulo Coelho
EDITORA Sextante
QUANTO R$ 19,90 (176 págs.)
AVALIAÇÃO bom

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