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Galeria virtual da Tate exibe obras de arte destruídas ou sacrificadas

Projeto na internet reúne 40 trabalhos que se perderam, como a 'Merzbau', de Kurt Schwitters

Gallery of Lost Art estreou em julho com 20 obras e terá uma nova acrescentada a cada semana até 2013

SILAS MARTÍ
DE SÃO PAULO

Em 1943, um bombardeio das Forças Aliadas em Hannover, na Alemanha, destruiu a primeira instalação da história, a "Merzbau", estrutura criada pelo artista Kurt Schwitters que chegou a ocupar oito cômodos de uma casa.

Um incêndio num galpão do East End londrino consumiu centenas de obras de arte do colecionador britânico Charles Saatchi há oito anos, incluindo uma barraca de acampar em que a artista Tracey Emin tinha reunido fotografias de todos os amantes com quem dormira até ali.

Da mesma forma que "Samba", de Di Cavalcanti, tela torrada no fogo que consumiu a cobertura do marchand Jean Boghici na semana passada, no Rio, essas peças sobrevivem na memória.

Um novo projeto da Tate, de Londres, agora reúne numa exposição virtual -galleryoflostart.com- as mais célebres obras de arte vitimadas por ataques intencionais ou não, trabalhos perdidos, roubados ou descartados, além de propostas que nunca chegaram a ser realizadas.

"Queríamos olhar para as implicações éticas dessas perdas", diz Jennifer Mundy, curadora da Gallery of Lost Art, em entrevista à Folha. "Nem sempre uma perda é destrutiva ou algo cataclísmico. Estamos interessados na sobrevida dessas obras."

No pós-destruição, peças como a "Merzbau", de Schwitters, ou mesmo a casa construída pela britânica Rachel Whiteread e depois demolida por ordem da prefeitura em Londres ganham o peso de mitos, trabalhos que estão além da crítica por não poderem mais ser observados.

"Algumas dessas obras são perdidas, esquecidas e não chegam a se tornar míticas", diz Mundy. "Mas outras acabam se tornando ainda mais poderosas por não estarem aqui entre nós. Elas ficam todas confinadas a um terreno de anedotas, lembranças."

MILAGRE EM ALTO MAR

Nesse ponto, certas peças chegam a responder pela aura em torno de um artista, como o holandês Bas Jan Ader, nome escalado para a próxima Bienal de São Paulo, que morreu tentando finalizar a série de performances batizada "Em Busca do Milagroso".

Mas nenhum milagre salvou Ader de sua morte em alto mar. Em 9 de julho de 1975, ele partiu de Massachusetts, nos Estados Unidos, rumo ao Reino Unido, uma travessia do Atlântico que ele tentou realizar a bordo de um bote.

Sua chegada à Europa seria a conclusão das três partes da série que começou com fotografias de uma caminhada noturna por Los Angeles, onde morava, e um concerto em que seus alunos cantaram músicas associadas a pescadores e aos homens do mar.

Nove meses depois da partida, o barco de Ader foi encontrado na costa irlandesa sem nenhum vestígio de seu corpo -o artista nunca mais foi visto e muitos especulam se a performance não era, na verdade, seu próprio suicídio.

Numa reavaliação dos rumos de sua obra, o norte-americano John Baldessari também transformou em performance a queima de suas telas dos anos 70, rituais executados com precisão que serviram como espécie de prelúdio à sua nova estética.

Na mesma linha, o artista pop Robert Rauschenberg, disposto a inaugurar um novo movimento artístico, apagou com borracha desenhos do expressionista abstrato Willem De Kooning, deixando só os papéis em branco no rastro de sua obliteração.

Outra peça que ganhou mais força na memória do que em vida foram os projetos do russo Vladimir Tatlin para a torre de 400 metros que pretendeu erguer em São Petersburgo, homenagem à Revolução Russa de 1917.

Suas maquetes previam a construção de uma torre inclinada, com salas que giravam em torno de um eixo central e uma complexa estrutura de aço, vidro e ferro que nenhum engenheiro entendeu como sairia do papel.

"Não importa que a torre não tenha existido, nem que as maquetes tenham se perdido", diz Mundy. "Isso acabou virando símbolo potente do pensamento utópico".

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