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HQ faz releitura macabra de "Pinóquio"

Versão adulta do clássico critica imperialismo cultural ao transformar boneco de madeira em máquina de guerra

Para francês Winshluss, desenhos antigos representam visão simplista de mundo, que ele deseja perverter

DIOGO BERCITO
DE SÃO PAULO

Gepeto, vestido de Branca de Neve, está à disposição de sete anões sadomasoquistas. É que o Pinóquio saiu por aí matando todo mundo.

Ao adaptar a história clássica do italiano Carlo Collodi (1826-1890), Winshluss não só transformou o formato em quadrinhos mas fez de seu "Pinóquio" uma obra para adultos, macabra e triste.

Resultado, diz, da mistura de respeito e repúdio que sente em relação aos desenhos animados norte-americanos.

"'Pinóquio' da Disney foi a primeira animação a que assisti no cinema e tenho uma lembrança muito forte dele", conta à Folha. "Eu adoro esses desenhos antigos, mas eles representam uma visão simplista de mundo e também imperialismo cultural."

"Meu trabalho consiste em perverter esse universo."

Daí a ideia de transformar o garotinho de madeira em uma máquina de guerra.

Winshluss, pseudônimo do francês Vincent Paronnaud, é dito mestre do humor macabro, mas tem uma carreira heterogênea.

"Pinóquio" venceu o prêmio de melhor álbum no Festival Internacional de Quadrinhos de Angoulême (França), o mais importante do mercado europeu. Ao mesmo tempo, Winshluss venceu o prêmio do júri do Festival de Cannes pela codireção do desenho animado "Persépolis".

"Meu trabalho não é cínico nem nostálgico", diz. "Mas eu perdi um pouco da inocência no meio do caminho. Agora sei que, na vida, não são os tipos comportados que triunfam, mas os sacanas."

Fãs do sapeca menino de madeira vão encontrar pouco do original no gibi. O artista francês diz ter se preocupado mais em manter o espírito do enredo do que os detalhes.

"Escolhi os personagens e as situações que pareciam mais características de Pinóquio e, 'voilà', comecei uma coisa nova", diz. "Queria falar da minha época, da minha visão das coisas, e não produzir uma adaptação fiel."

A novidade está também na técnica de Winshluss. A cada trecho de "Pinóquio", o artista muda o traço -cores, materiais, apresentação.

Com exceção dos trechos em que aparece o Grilo Falante (aliás, Jimmy Barata, na versão "dark"), não há texto.

"O importante é encontrar a maneira mais eficaz de contar cada história", diz. "A mudança do registro gráfico corresponde a um propósito narrativo preciso, uma mudança de emoção ou de tempo."

Assim, retratar em preto e branco as histórias de Jimmy Barata é, para Winshluss, "o que corresponde ao personagem sem sal e à situação".

"Já se eu fizer uma página toda de guache, o leitor vai passar mais tempo ali, o que vai permitir que ele respire."

MERCADO

Marcado pela experimentação e pela mira no público adulto, "Pinóquio" é um trabalho representativo do mercado franco-belga de gibis, mais dado a liberdades.

Isso se deve em parte ao surgimento de editoras independentes na França, nos anos 1990, diz Winshluss. "Elas permitiram que autores como eu publicassem livros atípicos. Foi uma espécie de 'nouvelle vague' para a HQ."

É um processo, diz, contrário à "visão econômica ultraliberal que marcou nossa época", já que levou a anos de pouca receita para editores -"mas permitiu o surgimento de autores como Marjane Satrapi, cujas obras se tornaram best-sellers", diz.

"Sem o trabalho dessas estruturas alternativas, nós estaríamos hoje na França com os mesmos quadrinhos idiotas de super-heróis que vemos no restante do mundo."

PINÓQUIO
AUTOR Winshluss
EDITORA Globo Livros Graphics
QUANTO R$ 75 (192 págs.)

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