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Crítica romance

Genérico de narrativa, volume é disparate à base de clichês

ALCIR PÉCORA
ESPECIAL PARA A FOLHA

"Doce Gabito", segundo romance do carioca Francisco Azevedo, conta a história de Gabriela Garcia Marques, personagem-narradora que, além de homônima do escritor colombiano, nasce no mesmo dia que ele (6 de março), e no mesmo ano em que é lançado o seu mais célebre romance, "Cem Anos de Solidão" (1967).

A obsessão com Gabriel García Márquez não fica por aí. Gabriela sonha com ele e até acha que lhe deve a vida.

Não apenas a vida espiritual, fortalecida pelos lemas de amor ao "mistério da criação" que encontra na obra do colombiano, como até a vida física, pois lhe atribui o milagre de retirá-la de casa pouco antes do desmoronamento que mataria seu avô.

Aqui, já estamos aptos a entender o título do romance, pois "doce" é o epíteto que melhor calha a "Gabito", apelido carinhoso do escritor.

E é Gabito que inspira Gabriela a se trancar por nove meses em seu quarto a fim de parir as suas memórias.

Ela as escreve para superar a dor pela morte por atropelamento de Florentino, homem mais velho, que conhecera anos antes e que a fizera descobrir que o Rio de Janeiro era mesmo uma cidade "abençoada" e que "nela, imortalizado de geração em geração, o amor prevalecerá em tudo e toda parte".

E o que Gabriela nos conta, enlutada, é a morte de seus pais na guerrilha do Araguaia; a sua criação pelo avô no Morro de Santa Marta; a mudança posterior para o casarão de Santa Teresa, onde funcionava o bordel da tia; a venda de sua virgindade para José Aureliano Dias (que reúne os nomes "José Arcádio" e "Aureliano Buendía", personagens de "Cem Anos...", perceberam?); a paixão e desilusão pelo cliente que a deflorara; a morte da tia e a herança do bordel, entre outros fatos.

O relato não é político, pois o Araguaia é só uma menção de passagem nas lembranças magoadas de menina; não é histórico, pois durante os 40 anos de sua vida Gabriela cuida só de seus sonhos e de seus dias no bordel; não é erótico, pois não há detalhes das práticas sexuais, referidas metaforicamente e entremeadas de banalidades.

Também não é romance de costumes, de modo que das vicissitudes da prostituição nada se sabe.

A julgar pelo livro, aliás, a profissão é ótima, questão de escolha ou gosto.

"As meninas trabalham anos a fio, atendem os clientes com profissionalismo e talento, dão a eles prazer, fantasia, encanto. Ajudam, muitas vezes, a salvar casamentos. Gostam do que fazem, é óbvio. Senão não estariam ali. Ganham muitíssimo bem, sentem-se protegidas. Há companheirismo, amizade, cumplicidade entre elas.", diz um dos trechos.

Esta é a toada da narração: nada realista, nem objetiva, mas enumerativa e edificante. Um genérico de narrativa, por assim dizer, edulcorado por letras de MPB e pensamentos de almanaque.

"Celebramos felizes. Gabito chega e propõe um brinde: À Poesia! À Poesia! - respondemos todos, já com nossas taças de champanhe. Me espanto com a nitidez do que vejo, do que sinto. Impossível ser tudo tão real!"

De fato, nem real, nem ficção, mas disparate à base de clichês em série.

ALCIR PÉCORA é professor de teoria literária da Unicamp e autor de "Máquina de Gêneros" (Edusp).

DOCE GABITO
AUTOR Francisco Azevedo
EDITORA Record
QUANTO R$ 44,90 (464 págs.)
AVALIAÇÃO ruim

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