Índice geral Ilustrada
Ilustrada
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice | Comunicar Erros

Análise

Roberto Silva foi dos maiores cantores do país

Com elegância e extremo bom gosto musical, "Príncipe do Samba" combinava Orlando Silva e Cyro Monteiro

SÉRGIO CABRAL
ESPECIAL PARA A FOLHA

Roberto Silva foi uma das presenças mais constantes do "Boteco do Cabral", um show que o diretor Helton Altman inventou e que foi apresentado em São Paulo, na capital e no interior, durante mais de quatro anos.

Eu brincava com o cantor, dizendo que, se perto dos 90 ele cantava tão bem, aos cem atingiria a perfeição. Era uma brincadeira, repito, mas, na verdade, nunca ouvira um cantor com a aquela idade com uma voz tão jovem. E o que é mais raro: eram poucas as músicas do seu repertório que o obrigavam a cantar num tom mais baixo do que o utilizado meio século atrás.

Caetano Veloso definiu-o como uma ponte que ligava João Gilberto a Orlando Silva. Concordo, embora a ponte com que Roberto sonhava era a que ligava Orlando Silva a Cyro Monteiro, seus ídolos.

A admiração por eles está presente em quase todas as gravações de Roberto Silva.Nos sambas, o ritmo é dividido, à Cyro Monteiro, mas, nas serestas, que adorava cantar, até as indefectíveis "choradeiras" do mestre Orlando Silva não poderiam faltar.

Impressionante é que, com tanta admiração pelos ídolos, não há, nas centenas de gravações de Roberto Silva, um verso, uma nota musical sequer capaz de ser destacada como se fosse uma simples imitação. Roberto absorvia Orlando Silva e Cyro Monteiro, mas, quando soltava a voz, era Roberto Silva, um dos melhores cantores brasileiros de todos os tempos.

Somava a tudo isso uma elegância que, provavelmente, tenha inspirado o locutor Carlos Frias a nomeá-lo Príncipe do Samba. Discreto, delicado, sempre falando baixo, elegante na maneira de vestir-se, não se conhece em sua longa carreira qualquer momento em que tenha procurado um jornalista ou radialista para ser entrevistado ou para promover um disco recém-lançado ou mesmo para aparecer na televisão. O que não faltou para ele, no entanto, foram sucessos.

É verdade que contou, desde cedo, com a ajuda do flautista e compositor Altamiro Carrilho, que morreu cerca de um mês antes dele e que, por mais de 20 anos, foi uma espécie de seu diretor artístico.

Os dois se aproximaram em 1948, quando Silva conquistou o primeiro grande sucesso com "Maria Teresa", de Altamiro. Dez anos depois, quando gravou o primeiro long-play da série "Descendo o Morro", quem estava no estúdio, não só comandando as gravações, como colaborando na seleção das músicas, era o mesmo Altamiro. E foi assim, praticamente, até o ultimo "Descendo o Morro".

Havia também um tipo de compositor que parecia pensar no cantor, em primeiro lugar, quando compunha os seus sambas. Um deles era Raimundo Olavo, lançado por ele para o grande público em 1947, com "Mandei Fazer um Patuá". Dois anos depois, mais um sucesso de Raimundo, o samba "Normélia".

Certa vez, conversando com Silva sobre o compositor, ele me confessou que chegou a pensar em romper com ele, quando descobriu que Raimundo ofereceu a outro cantor, Ari Cordovil, o samba "Formiga", um clássico.

A propósito, não há qualquer exagero se considerarmos o repertório de Roberto Silva uma das melhores antologias já executadas com a música popular brasileira, seja em matéria de samba, seja em serestas. É que, ao lado das qualidades de intérprete e da elegância que marcou a sua personalidade, Silva era também um homem de extremo bom gosto musical.

SÉRGIO CABRAL, jornalista e escritor, é autor de "Escolas de Samba do Rio de Janeiro" (Ibep/Nacional), entre outros

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice | Comunicar Erros


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.