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Crítica poesia

Edição crítica estabelece autor como mais um grande poeta do século 20

Também o aspecto trágico da ficção de Cardoso, a sujeição ao destino, sobressai na poesia

SÉRGIO ALCIDES
ESPECIAL PARA A FOLHA

"Quem me diria abril neste setembro?", -pergunta-se Lúcio Cardoso em seus "hinos de espanto" agora reunidos num volume grandioso.

"Poesia Completa" é um dos lançamentos editoriais que vêm assinalar o centenário de nascimento de um escritor muito mais prolífico do que se imaginava.

São contos, diários, novelas, ensaios: a revelação de uma obra tão vasta quanto subterrânea torna impossível apresentar Cardoso apenas como o autor do romance "Crônica da Casa Assassinada", de 1959.

Mineiro de Curvelo, nascido em agosto de 1912, ele se projetou nos anos 1930 como um dos romancistas mais originais de sua geração.

Sua escrita contrastava com a voga do regionalismo, em busca de uma literatura de prospecção das zonas obscuras da vida individual e das relações interpessoais.

No Rio de Janeiro, ligou-se ao grupo liderado pelo romancista Octávio de Faria, ao lado de Cornélio Pena e do jovem Vinicius de Moraes.

Era quase uma sociedade secreta de escritores meio desajustados, de catolicismo conturbado e uma espécie de direitismo desconforme.

A faceta de poeta surpreenderá quem só se lembrava de Cardoso como o ficcionista perturbador e às vezes perverso de uma obra-prima do romance psicológico, em violento litígio com as tradições familiares de Minas Gerais.

Ou como o escritor que, paralisado por um derrame em 1962, tornou-se pintor, usando a mão esquerda.

Ou como a figura fascinante que, tendo publicado os diários que revelavam sua homossexualidade, despertou em Clarice Lispector uma verdadeira adoração.

MORTE

Poeta da mão esquerda, Lúcio Cardoso escreve como um de seus mais desesperados personagens.

"Aflito sondo a mim mesmo", diz, entre o desejo agônico de autoafirmação e a necessidade de se libertar de si e dos interditos que limitam o indivíduo.

"Que importa,/ se efêmero sou mais forte/ do que tudo o que eterno/ é sempre em mim?", escreveu.

Também o aspecto trágico de sua ficção, a sujeição ao destino, sobressai na poesia.
Cardoso enfrenta a morte como quem pega o touro pelos chifres -numa "tanatomaquia", como disse José Guilherme Merquior. "E renasço menino acima do meu cadáver", escreve o poeta, reinventando o resultado inevitável desse combate.

A edição crítica preparada por Ésio Macedo Ribeiro estabelece definitivamente a existência de mais um grande poeta brasileiro do século 20, ao lado de tantos outros.

No entanto, o livro é uma espécie de túmulo. Com o tamanho (e o peso) de um tijolo, não serve para ler no metrô, no bar, na praia, na rede.

Na verdade, não se destina aos leitores de poesia, e sim aos especialistas acadêmicos.
Cada poema aparece infestado de números, às vezes mais de um por verso, que impossibilitam a fluidez da leitura. Eles indicam centenas de notas de rodapé que remoem o texto com o chamado "aparato crítico".

Assim tombada e consagrada, a poesia de Lúcio Cardoso ironicamente continua a se debater entre a rigidez dos limites exteriores -buscando a vida, como ele, sempre "atônito no sonho".

SÉRGIO ALCIDES é professor da Faculdade de Letras da UFMG.

POESIA COMPLETA
AUTOR Lúcio Cardoso
EDITORA Edusp
ORG. Ésio Macedo Ribeiro
QUANTO R$ 120 (1.120 págs.)
AVALIAÇÃO ótimo

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