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Mauricio Stycer

Xerife e juiz do povo

Impressiona, 50 anos depois, a permanência do assistencialismo, do populismo e do mau gosto

São 6h15 da manhã e um homem sério, vestindo terno preto, surge no meio no palco. Diz ele: "Agradeça até os problemas que você tem. Agradeça até a doença que você tem. Porque a doença, muitas vezes, é a cura do espírito. Todos nós precisamos das dores. Porque as dores transformam a nossa vida. A vida sempre vale a pena. Agora, ficar reclamando não vai adiantar nada".

O discurso parece ser de um dos muitos pastores evangélicos que alugam horário nas emissoras de TV aberta, mas há algo que confunde na imagem: ao lado do homem, preso num poleiro, repousa um galo. E diante da ave vê-se um microfone.

O autor do discurso é Geraldo Luis, apresentador do "Balanço Geral", e o galo chama-se William. O microfone tem a função de amplificar o frequente cacarejo do bicho, que muitas vezes se sobrepõe ao do homem.

Apresentado pela Record em dois horários, no início da manhã e ao meio-dia, o programa mistura reportagem policial com exibição de aberrações, promove assistencialismo e, não raro, assume o papel de "xerife" para resolver problemas dos espectadores.

Além de Geraldo e de William, o palco do "Balanço Geral" também conta com a presença, eventual, de um anão, no papel de assistente de palco. O conjunto busca atenuar, pelo ridículo, o impacto das pesadas atrações exibidas.

Esta semana, por exemplo, Geraldo exibiu uma reportagem de 24 minutos com uma criança pobre, que sofre da síndrome de Marfan, um mal que causa o crescimento exagerado dos ossos.

"A história do menino gigante que eu conheci", avisou, antes de pedir para o menino tirar a camisa e expor uma deformidade no peito. "Você percebe que está ficando maior a cada ano?", perguntou ao jovem.

Sedutor, Geraldo afaga o público. "O telespectador hoje tem discernimento, tem inteligência e tem uma arma na mão, que é o controle remoto. Se eu falar besteira aqui, o programa vai dar dois pontos."

O estilo lembra o de alguns políticos. "Eu sou Geraldo, um cara igualzinho a você. O terno, a maquiagem, é só um disfarce", diz.

"Balanço Geral", explica, quer "dar voz a quem precisa de voz".

A palavra "povo" é campeã de aparição no programa. "Gastar com reforma de estádio de futebol e o povo morrendo? É dar circo pro povo", opina. Um dos quadros intitula-se "O Povo Sofre". Outro é o "Juiz do Povo".

Grande atração é o quadro "Xerife do Consumidor", no qual um advogado e um repórter tentam resolver problemas de espectadores que se dizem prejudicados em negócios variados.

Na quarta-feira, eles invadiram uma loja que, aparentemente, se recusou a efetuar a troca de um terno para um cliente. Câmera ligada, microfone na cara, o dono do negócio se vê obrigado a resolver o problema do "xerife".

Entre dezembro de 2011 e junho deste ano, o quadro, então com o nome "Patrulha do Consumidor", era apresentado por Celso Russomanno, hoje candidato à Prefeitura de São Paulo pelo PRB.

Nada é novo em "Balanço Geral". Quem tem idade para se lembrar ou já leu a respeito do tema, percebe a semelhança do programa com atrações que marcaram a primeira onda de sensacionalismo e baixaria da TV brasileira, em meados dos anos 1960.

O que impressiona, de fato, é a permanência, 50 anos depois, do populismo, do assistencialismo e do mau gosto.

mauriciostycer@uol.com.br

@mauriciostycer

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