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Para Antunes Filho, celebração de cem anos trouxe 'leviandades'

Diretor com longo histórico de peças rodriguianas conta que essa pode ser sua despedida do autor

Montagem de "Toda Nudez Será Castigada" incorpora à narrativa personagens de outras peças do dramaturgo

COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

Antunes Filho não nega a máxima que diz que Nelson Rodrigues é o maior dramaturgo brasileiro.

Para ele, a dramaturgia do Brasil se divide entre antes e depois de Nelson.

Suas montagens da obra do autor, apoiadas nos arquétipos de junguianos e na força tão primitiva quanto universal da mitologia, corroboram a grandeza do dramaturgo.

"As peças dele transcendem o factual para falar sobre a comédia humana", diz.

É surpreendente notar certa serenidade na alma inquieta deste diretor, nome fundamental na história do teatro brasileiro moderno e que segue incansável, aos 82 anos, na busca pela renovação das artes cênicas do país.

"Estou satisfeito. Acho que consegui a ressonância", diz ele, se referindo à impostação e ao tom conquistados pelos atores no trabalho vocal.

Antunes confessa discordar de grande parte das homenagens feitas a Nelson no ano de seu centenário.

"Estou preocupado com as leviandades que fizeram. Tomam certas liberdades para o gracioso, para o cômico, ou interpretam seus textos de maneira sisuda", explica.

Em "Toda Nudez Será Castigada", acredita ter preservado a carpintaria dramatúrgica e as tensões da obra, bem como as marcas de seu autor.

"Não posso deturpar Nelson. Quero mostrar que ele é uma luz na nossa dramaturgia. Ele ilumina. Só podemos entrar no olimpo da dramaturgia brasileira graças aos refletores de Nelson Rodrigues. Caso contrário, não existiria ninguém."

GAVETAS

Para a peça, Antunes abriu uma série de gavetas de sua própria história nos palcos.

Remexendo em seu "baú", trouxe de volta cenas memoráveis de suas várias montagens rodriguianas.

De "Paraíso, Zona Norte" -espetáculo de 1989 criado a partir de duas peças de Nelson ("Os Sete Gatinhos e

"A Falecida")-, ele toma emprestado o retrato poético da morte de Zulmira.

A cena em que a personagem doente, obcecada por um enterro de luxo, entra em seu caixão, serve agora de guia à morte da prostituta Geni, de "Toda Nudez".

O dançarino solitário presente nos espetáculos "Nelson Rodrigues, O Eterno Retorno" (compêndio de quatro peças do autor, "Os Sete Gatinhos", "Beijo no Asfalto", "Toda Nudez Será Castigada" e "Álbum de Família", de 1981) e em sua versão de 1984, "Nelson 2 Rodrigues", também viaja no tempo.

Em "Toda Nudez", o dançarino apresenta passos suspensos no ar. Com seus movimentos, acompanha as alterações de ritmo da trama.

A ambição de Antunes é saltar do registro rotineiro em busca do universo do simbólico e do mitológico.

"Quis revelar os arquétipos e os mitos que sobrevoam as tramas de Nelson como fantasmas. Quis preservar o rumor selvagem do não dito, que está sempre nas frestas de suas peças", explica.

E, se ao montar "Toda Nudez Será Castigada" Antunes busca dar ao texto sua justa dimensão, ao fazê-lo por meio de um mergulho em sua própria trajetória, acaba dotando a encenação de certo caráter de autoanálise.

Isso tudo à beira de se despedir do autor.

"É meu último Nelson", diz, taxativo. Logo depois hesita. "Não deve ser. Eu sempre digo isso e sempre acabo voltando a ele."

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