Mangá recria Cristo e Buda em versão jovem

Cansados de buscar um emprego, Jesus e Buda decidem ir a um parque de diversões, quando percebem uma placa em que se lê que os maiores de 80 anos ganham desconto no ingresso. Cristo, então, diz: "Acho que eles vão ficar nos devendo".

A cena insólita é de "Saint Young Men", mangá da japonesa Hikaru Nakamura que venceu o prêmio Tezuka Osamu, espécie de bússola para novos talentos.

Em vez de aprisionados a templos e liturgias, na versão da quadrinista a dupla divina reencarna em jovens de vinte e poucos anos e divide um apartamento descolado na Tóquio contemporânea.

A aventura tem versões em inglês, francês e espanhol e uma edição em português deve chegar ao Brasil em 2013 -a autora negocia com pelo menos duas editoras.

Apesar da boa recepção à série, Nakamura percebe hoje uma ditadura de conteúdo imposta aos artistas. Para ela, o medo de represálias faz com que cineastas, escritores e dramaturgos iniciantes evitem tocar em temas mais áridos.

"Talvez os quadrinhos sejam a única forma de expressão artística em que a liberdade de criação ainda, de fato, resiste", diz a cartunista.

"Mutantes, criaturas alienígenas e homens que viajam no tempo. O leitor de quadrinhos está acostumado a ser tolerante, a não se chocar com essa relação antiga que as HQs mantêm com a religião", explica o professor americano A. David Lewis.

Pesquisador da Universidade de Boston, Lewis assina "Graven Images: Religion in Comic Books" (imagens sacras: a religião na HQ), em que relaciona fé e quadrinhos.

A liberdade às vezes é acossada. Em 2005, charges que satirizavam o profeta Maomé, publicadas pelo jornal dinamarquês "Jyllands-Posten", enfureceram o islã, como também ocorreu no mês passado com o semanário francês "Charlie Hebdo".

"Não há mal em ter fé, mas não compreendo como alguém pode ser inseguro em relação às suas crenças, a ponto de barrar uma obra de arte", resume Nakamura.