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Quadrinista cria épico sobre mundo islâmico em "Habibi"

Americano Craig Thompson mergulhou em pesquisas sobre o islã para retratar história de amor que prega a tolerância religiosa

RODRIGO LEVINO
EDITOR-ASSISTENTE DA “ILUSTRADA”

Em 2003, quando lhe surgiram as primeiras ideias da "graphic novel" "Habibi", lançada recentemente no Brasil, o quadrinista americano Craig Thompson, 37, imaginou uma narrativa de fantasia, "como 'O Senhor dos Anéis'", que teria por volta de 200 páginas.

Oito anos depois, dezenas de livros de referência, centenas de horas de pesquisa e outras tantas à prancheta, desenhando e escrevendo, Thompson deu vida a um romance épico e realista sobre o mundo islâmico, com quase 700 páginas.

"Se eu soubesse o trabalho que teria, talvez não tivesse nem começado. Mas projetos longos são como casamentos, não se pode desistir à primeira crise", disse ele, bem-humorado, à Folha.

A conversa se deu ao longo de dois dias, entre conexões aéreas que o levavam à Jordânia. Convidado pelo governo local, Thompson deu, por uma semana, aulas de quadrinhos para crianças surdas em Amã.

O trânsito facilitado pelo governo de um país do Oriente Médio tem razão de ser. "Habibi" é uma ode à cultura islâmica.

Mas não só isso. Ao narrar a história do amor entre a escrava e cortesã Dodola e o eunuco Habibi, o autor, que foi aclamado pelo lançamento do autobiográfico "Retalhos", há 11 anos, introduziu discussões sobre política, religião, poder, sexo, tolerância e ecologia.

A pesquisa rendeu curiosidade e admiração por temas que surpreendiam à medida que eram aprofundados.

"De repente, me vi fascinado pela história do tráfico de escravos no norte da África. Daí para a literatura árabe-islâmica, cheia de magia, haréns, sensualidade e aventura, e o Corão, foi um pulo."

Thompson se pôs ainda a estudar caligrafia árabe, geometria, arquitetura e a história do islã.

PRECONCEITO

Lançado dez anos depois do 11 de Setembro, "Habibi" chegou à lista dos mais vendidos nos Estados Unidos. O sucesso, apesar do risco de manifestações islamofóbicas, não o surpreendeu.

"A curiosidade, nesse caso, venceu o preconceito. Conhecer as sobreposições das culturas judaica, cristã e islâmica foi uma relevação para mim. Acho que para os leitores de 'Habibi' também."

Para ele, mais do que o mérito artístico, despertar o interesse do leitor por uma "cultura tão negativada pela mídia" é o que o faz sentir-se honrado.

Em tempos de choque cultural, Thompson conclama à tolerância, sobretudo, pela semelhança entre os dois mundos.

"Em suma, temos os mesmos valores e histórias fundamentais de nossa formação se cruzam", explica ele, para quem rótulos ("cristãos, muçulmanos, homens, mulheres") são limites imaginários que separam pessoas.

Enquanto excursiona divulgando o livro, que pode ser adaptado para o cinema, ele diz estar ansioso para se enfurnar no seu estúdio.

"Italo Calvino dizia que o escritor opera em dois modos. O 'mercúrio', quando sai do seu mundo em busca de aventuras, e o 'saturno', quando volta à sua caverna para produzir. Estou precisando voltar à caverna."

Lá, vai decidir que rumo dar a três histórias que deixou pelo caminho. Uma delas, calcula, rende cerca de 300 páginas. Uma aposta que, como ele sabe, é de alto risco. Vide o próprio "Habibi".


HABIBI

AUTOR Craig Thompson
EDITORA Companhia das Letras
TRADUÇÃO Érico Assis
QUANTO R$ 57 (672 págs.)

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