Índice geral Ilustrada
Ilustrada
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice | Comunicar Erros

Italiano coroa sua história de amor com Baudelaire

Livro de Roberto Calasso é ensaio literário sobre poeta francês e sua época

Escritor fala de volume recém-lançado no Brasil, do desapontamento com a crítica e de seu trabalho como editor

CASSIANO ELEK MACHADO
ENVIADO ESPECIAL A FRANKFURT

Quando tinha 12 anos, Roberto Calasso roubou da biblioteca de seu avô, em Florença, um exemplar do livro "Flores do Mal", de Charles Baudelaire. Ele diz que não tinha a mais vaga ideia do que era o livro ou de quem era o tal Baudelaire, mas achou o título "irresistível".

Foi com este pequeno delito, cometido há seis décadas, que o escritor italiano começou uma igualmente irresistível história de amor com a obra do poeta francês.

Calasso, que garante nunca mais ter roubado livro algum, hoje pode guardar em sua biblioteca o velho volume surrupiado do avô ao lado de um livro que ele mesmo escreveu sobre Baudelaire, ou melhor, um livro "ao redor de Baudelaire".

"Com meus livros é sempre o mesmo problema", diz ele à Folha, meneando a cabeça. "Eles nunca são só sobre o que parecem ser e quase ninguém consegue descrevê-los de maneira sintética, nem eu mesmo."

Bem, vamos lá. Décimo segundo livro de Calasso, "A Folie Baudelaire" (algo como onda Baudelaire), recém-lançado pela Companhia das Letras, parece ser um longo ensaio sobre Baudelaire (1821-1867), e é assim que ele inicia.

Mas, no inconfundível estilo "calassiano", a narrativa é interrompida inúmeras vezes para tratar da pintura de Ingres ou de Delacroix, contemporâneos e conterrâneos do poeta, para considerações sobre a crítica literária na França do século 19 ou para reflexões sobre Paris, uma das "personagens" do livro.

Calasso é o homem certo para estes cortes e costuras. Não é a toa que em sua edição mais recente a revista "Paris Review" tenha começado a entrevista que fez com o escritor (ao longo de 34 páginas) definindo-o como "uma instituição literária".

Mesmo seus detratores teriam dificuldades de refutar esta condição. Além de produzir sua vasta obra ensaístico-literária, Calasso é um tradutor respeitado, de Nietzsche, entre outros, e trabalha há 50 anos na casa editorial mais prestigiada do seu país, a Adelphi, da qual hoje é o presidente.

"É uma vida esquizofrênica esta de editor e escritor", diz ele no estande da Adelphi em Frankfurt, apontando para uma prateleira com seus livros, que ele mesmo publica.

Para tornar as coisas ainda mais complexas, Calasso divide sua própria obra entre livros avulsos e outros que integram um grande projeto comum, do qual "A Folie Baudelaire" é o sétimo tomo.

Entre os demais trabalhos deste painel, "cujos pontos em comum só o leitor pode decidir quais são", estão obras sobre mitologia grega (seu maior sucesso, "As Núpcias de Cadmo e Harmonia"), sobre o pintor italiano Tiepolo (1696-1770) e os livros "K." e "Ka", o primeiro sobre Kafka, o segundo sobre mitologia védica.

E então Calasso convoca seu herói Baudelaire. "Tinha uma antena metafísica. Captava aquilo que nenhum outro homem conseguia enxergar sobre o seu tempo."

ÚNICO

Quem seria o Baudelaire de hoje em dia? "Absolutamente ninguém. Estamos longe de termos algum intelectual como ele hoje em dia", exprime energicamente Calasso, que parece um bocado desapontado com a crítica dos últimos 100 anos.

"Toda a melhor crítica literária do século 20 foi feita por escritores. Paul Valéry, Thomas Mann, Auden, Eliot, Pound, até Proust, que num textinho de dez páginas, escritas sem ter os livros à mão, fez um dos melhores trabalhos sobre Baudelaire."

Calasso apanha uma edição luxuosa de "A Folie Baudelaire" que acaba de sair na Itália, com mais de 200 ilustrações e preço de capa de 100 euros (R$ 265), para achar uma frase de Proust sobre Baudelaire. Depois de folhear o livro, com indisfarçável prazer, fecha o pesado volume e diz: "Os leitores brasileiros saberão encontrar".

Em todo o caso, a frase é: "Baudelaire momentaneamente havia sido detentor do verbo mais potente que já ressoara sobre lábios humanos".

A FOLIE BAUDELAIRE
AUTOR Roberto Calasso
TRADUÇÃO Joana Angélica d'Avila Melo
EDITORA Companhia das Letras
QUANTO R$ 64,50 (448 págs.)

O jornalista CASSIANO ELEK MACHADO viajou à convite do Goethe-Institut

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice | Comunicar Erros


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.