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Cinema

Ken Loach usa uísque para falar de crise

36ª MOSTRA DE SP

Comédia "A Parte dos Anjos" ganhou o prêmio do júri em Cannes e só tem atores amadores

Protagonista do longa, Paul Brannigan é ex-membro de gangues, já foi preso e tentou suicídio aos dez anos

RODRIGO SALEM
DE SÃO PAULO

O inglês Ken Loach é conhecido por dramas politizados, daqueles que atormentam o resto do dia.

Impossível não se abalar com o moleque em busca de nova vida com a mãe em "Sweet Sixteen" (2002) ou com os irmãos de ideologias opostas em "Ventos da Liberdade" (2006).

Mas, surpreendentemente, seu novo longa, "A Parte dos Anjos", é uma comédia leve, que levou o prêmio do júri no último Festival de Cannes.

O filme é um irmão bastardo de "Ou Tudo ou Nada" (1997), de Peter Cattaneo. Em vez de striptease, o universo dos uísques escoceses.

"Você pode encontrar temas similares, e adoro esse longa, mas a comparação nunca passou pela minha cabeça quando escrevi o filme. Meu roteiro é menos cômico", diz Paul Laverty, roteirista de Loach há mais de 15 anos. "Eu poderia escrever a mesma história no Brasil."

Mais ou menos. Um dos grandes charmes de "A Parte dos Anjos" vem do uso da indústria dos uísques "single malt" produzidos nas highlands escocesas.

Robbie (Paul Brannigan) é um ex-membro de gangue que planeja sair da vida de delinquência com o nascimento do filho e só vê uma solução: roubar litros de um uísque raro que será leiloado por uma destilaria.

"O uísque representa um estereótipo e a propaganda da Escócia. O tema é uma grande tentação", conta Loach.

"No filme, há um sujeito que não sabe nem o que está comprando, pois só quer o status do líquido. Sou atraído por temas que juntam a vulgaridade e a estupidez humana", completa Laverty.

O personagem principal, que tem um dom natural para reconhecer uma boa bebida, reúne uma série de desempregados pobretões e parte para o roubo no melhor estilo "Onze Homens e um Segredo" (2001).

"Espero que o público veja o filme e vá além da comédia", deseja o cineasta.

"O desemprego no mundo hoje é algo sério. Na Inglaterra, a maioria dos jovens só tem empregos temporários e vive em um sistema violento, competindo em agências para roubar a hora de trabalho de um amigo."

SALVAÇÃO

O protagonista Paul Brannigan sabe o que seu diretor quer dizer. Ele é filho de pais viciados em heroína, tentou se matar duas vezes, sendo a primeira aos dez anos, fez parte de gangues e foi preso por ter disparado uma arma na tentativa de vingar uma tia esfaqueada.

"Eu estava trabalhando em um centro comunitário em Glasgow com crianças quando Ken e Paul vieram falar

comigo", diz o ator amador, que já engatilhou um trabalho ao lado de Scarlett Johansson em "Under the Skin", de Jonathan Glazer ("Sexy Beast").

"Eu estava duro, tinha um filho para criar e precisava pagar um empréstimo. Eles salvaram minha vida."

Humanista e preocupado com a situação econômica do país, Loach fez de Brannigan um exemplo real da trama que Laverty escreveu.

Trabalhou apenas com jovens escoceses problemáticos, que nunca pisaram em um set, e só entregava o roteiro dois dias antes de rodar as cenas.

"Eu escolhi pessoas que sabia que dariam vida aos personagens. Paul escreveu diálogos repletos de gírias e não ensaiamos antes, porque eu queria que as cenas saíssem naturais", revela Loach.

"Os jovens que decidiam se aquelas falas eram certas."

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