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Crítica Comédia

Fábula irônica e subversiva propõe um olhar moral sem se tornar moralista

CÁSSIO STARLING CARLOS
CRÍTICO DA FOLHA

Uma das vantagens de cineastas da espécie de Ken Loach é que eles costumam fazer sempre o mesmo tipo de filme, com uma alegria que ultrapassa o profissionalismo.

Isso desperta reações cada vez mais raras em quem ainda vai ao cinema: familiaridade e prazer.

A despeito do prêmio do júri no último Festival de Cannes, "A Parte dos Anjos" não se aparenta com aqueles dramas históricos, solenes, mas sorumbáticos, que valeram ao diretor britânico honrosas vitórias em outras edições da competição francesa.

Desde a cena que abre o filme, na qual um sentimento iminente de tragédia modifica-se de modo imperceptível em comédia, Loach dá o tom oscilante e, em certo sentido, subversivo desse pequeno conto moral.

A apresentação dos personagens acontece num tribunal, onde são julgados por pequenos delitos e recebem como pena a prestação de serviços comunitários.

O grupo vai se constituir em torno de tarefas como pintar um antigo prédio público, descobrir afinidades e inventar formas mais legais (no sentido da lei e do divertimento) de ganhar dinheiro.

Nessas cenas de ações banais, Loach reitera os limites realistas de seu cinema, garantindo para o espectador virgem o pacto da crença, enquanto o público já habituado reconhece ali um efeito que aprecia.

A essa aproximação sedutora o filme logo intercala outra, com um breve e doloroso flashback que revela um ato cruel cometido por Robbie, doravante protagonista.

Em vez de suceder, como nas tradicionais fábulas com intenção moral, os passos do crime, castigo e reabilitação, "A Parte dos Anjos" prefere oferecer ao espectador o prazer da contravenção.

O golpe que os quatro atrapalhados armam passa pela astúcia e não pela violência, diz respeito a descobertas e aprendizado, o que tende a promover simpatia, em vez de compaixão.

A capacidade, ainda firme, de temperar o discurso sobre a injustiça social com ironia, de propor um olhar moral sem se tornar moralista e, sobretudo, de insistir em fazer um cinema com mensagens sem nos torturar com efeitos de verdade assegura para os filmes de Ken Loach uma atenção especial.

A PARTE DOS ANJOS

QUANDO hoje, às 23h30, no Espaço Itaú de Cinema - Frei Caneca; amanhã, às 19h, no Cinemark - Shopping Cidade Jardim; outras sessões em www.mostra.org
CLASSIFICAÇÃO livre
AVALIAÇÃO ótimo

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