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36ª Mostra de SP

crítica/drama

Não ditos conduzem trama reveladora sobre Brasil atual

'O Som ao Redor' é primeiro longa do pernambucano Kleber Mendonça Filho

INÁCIO ARAUJO
CRÍTICO DA FOLHA

Nas primeiras imagens, o que vemos são velhas fotos de engenhos. O som é de música.

Daí passamos ao Recife atual. Feliz com a própria modernidade. A uma rua junto à praia, tomada por arranha-céus sem nenhum estilo.

Aos poucos conhecemos um ambiente de classe média, o mais normal possível. Vários de seus habitantes pertencem a uma família apenas. Moram em apartamentos ou casas.
Também aos poucos percebemos que esse ambiente talvez não seja tão normal assim. O título do filme expressa um descompasso entre as imagens e as palavras.

Talvez não seja o único.

Uma mulher joga uma bola com veneno para o cão do vizinho. Um morador arromba um carro para roubar o rádio. Uma mulher nota que, no apartamento que pretende alugar, morou uma suicida.

Algo está fora dos eixos, ligeiramente ao menos. E talvez essas cercas que insistem em se por entre a câmera e os personagens nos digam algo a respeito... Não será por acaso que a esse ambiente chega um grupo de seguranças oferecendo seus serviços. Eles serão centrais na trama que se desenha delicadamente.

É um pouco assim que se faz "O Som ao Redor", longa de estreia de Kleber Mendonça Filho: muito mais com não ditos do que com o que se diz. Muito mais com sons que se insinuam e atravessam a barreira de silêncio do que com os atos dos personagens.

Existe no todo uma permanência do velho Pernambuco. Ela está nas empregadas, invariavelmente negras, que frequentam as cozinhas. Está no falar duro do patriarca, o homem que ainda comanda a família... Não, velhos hábitos não desaparecem. Eles podem até ser sufocados pela horrível arquitetura desses prédios, mas persistem.

Às vezes de maneira insidiosa. Isso é o que nos mostrará a trama bem urdida (mas sobre a qual convém guardar um discreto silêncio: revelá-la já é revelar o final).

Basta dizer que, sim, "O Som ao Redor" revela uma voz com algo a dizer sobre a cidade onde vive (mas que diz respeito ao Brasil: nossa herança escravocrata, nossos coronéis e jagunços não são uma especificidade nordestina).

Mendonça afirma-se cineasta original, ao mesmo tempo em que reafirma a recente tradição pernambucana de melhor cinema que se pratica no Brasil.

O SOM AO REDOR
QUANDO hoje, às 20h50, no Espaço Itaú de Cinema Frei Caneca, seg., às 16h, no CineSesc, e dia 24/10, às 15h, na Cinemateca
CLASSIFICAÇÃO 14 anos
AVALIAÇÃO ótimo

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