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'Antidogmática', discutia até mesmo 'receita médica'

Ex-alunos e colegas lembram aspectos da vida intelectual de Ruth Cardoso

Nos relatos, ela surge discreta, engajada, mas sobretudo preocupada com a relação entre teoria e realidade

DE SÃO PAULO

"A influência de Ruth sobre mim foi muito grande. Ela se distinguia, na nossa geração de antropólogos, pela amplitude de seus interesses e de sua formação teórica", escreve Eunice Ribeiro Durham, professora de antropologia na Universidade de São Paulo.

A ex-colega de faculdade de Ruth assina um depoimento no início de "Ruth Cardoso: Obra Reunida". "Não quero mais falar. Escrevi tudo ali", diz à Folha. Entre ela e Ruth, foram mais de 50 anos de colaboração intelectual e amizade.

A acadêmica Ruth Cardoso nunca aceitou limites e expôs-se a todas as linhas de pensamento.

Entre 1958 e 1964, participou do grupo de estudos de "O Capital", de Karl Marx, ao lado de Fernando Henrique Cardoso, José Arthur Gianotti e Paul Singer, entre outros.

Em 1962 e 1963, passou um período em Paris, onde frequentou os seminários do antrópologo Claude Lévi-Strauss. "Ela dava aulas sobre o tema, mas nunca foi uma estruturalista", lembra Teresa Caldeira, sua aluna na época. "Nem receita médica ela aceitava sem discutir."

Como intelectual, ela procurava intervir na realidade.

Além de avançar na reflexão das teorias feministas, deixou a discrição de lado na luta pelos direitos das mulheres. No volume estão cinco artigos sobre o tema, veiculados na Folha entre 79 e 81.

Ela também integrou a Frente de Mulheres Feministas, fundada em 79 e da qual faziam parte Ruth Escobar e Eva Blay, entre outras. E contribuiu para levar o debate do feminismo para a academia.

"Acho que ela produzia curtos-circuitos, era uma provocadora", lembra a ex-aluna Esther Hamburger, professora na USP. "Resolveu falar de TV quando ninguém falava disso na academia."

"Para Ruth, a análise de um problema nunca era a ilustração de uma teoria. Pelo contrário. Os fatos serviam para refletir sobre o que servia e o que não servia, e para repensar tudo de novo", afirma Hamburger, que fala da preocupação -quase obsessão- da antropóloga em identificar indícios de mudança social na realidade.

"Era uma intelectual antidogmática por excelência", diz Gilberto Velho, doutorando seu, hoje no Museu Nacional da Universidade Federal do Rio de Janeiro.

Além de tudo, ela adorava a pesquisa de campo. "Pode perguntar a qualquer ex-aluno", recorda Teresa Caldeira.

Quando se tornou primeira-dama, previu a mudança em sua rotina. "Aí inventou um jeito de continuar seu trabalho: o Comunidade Solidária", diz Hamburger.

Aos 26, Regina Célia Esteves de Siqueira foi chamada para trabalhar no que viria a ser o Conselho do Programa Comunidade Solidária, em 95. "Muitas vezes ela desembarcou em comunidades afastadas, no interior do país, sem ser reconhecida. Era assim que gostava", conta.

À frente do AlfaSol, que continua o legado iniciado ali, Regina ainda se refere a ela como "doutora" Ruth.

Gilberto Velho lembra que, naquele ano, quando chegou a Brasília ao lado de FHC, perguntaram à antropóloga se ela se importaria de ser chamada de "doutora".

"Claro que não. Eu sou mesmo doutora. E estudei muito para chegar lá", lembra Velho. Mas a história marcou "Dona" Ruth. "Uma injustiça", diz. (IZABELA MOI)

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