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Crítica/Teatro Clássico, "O Beijo no Asfalto" revela violência latente de Nelson Rodrigues LUIZ FERNANDO RAMOSCRÍTICO DA FOLHA O teatro da crueldade brasileira. "O Beijo no Asfalto", encenação de Marco Antônio Braz da peça de Nelson Rodrigues (1912-1980), tem o dom de revelar, na linguagem coloquial do dramaturgo, sua violência latente. É como se as relações passionais que se apresentam ecoassem uma brutalidade primitiva, característica de um Brasil arcaico. Escrita em 1960 e incluída entre as "tragédias cariocas" do dramaturgo, por combinar um desenlace trágico com a dicção e os hábitos dos subúrbios do Rio de Janeiro, "Beijo no Asfalto" tem uma trama bem-acabada. A partir de um atropelamento, Nelson arma uma cadeia de fatos verossímeis em que um homem bom tem a honra atirada à lama e a vida destruída por um capricho do destino. A direção de Braz, um especialista no autor, opta por alcançar camadas menos óbvias do texto. Mantém o rapaz atropelado e morto logo no início como um vulto sempre presente e, ao modo Brecht, os demais intérpretes todo o tempo em cena, ora como espectadores confundidos com o público, ora encarnando seus personagens. A interferência mais incisiva, contudo, ocorre no tratamento das palavras e no que elas podem sugerir aos atores e atrizes na composição de seus trabalhos. É nessa exploração, que faz reverberar no desenho físico dos corpos e no espaço cênico a agressividade implícita dos discursos, que o espetáculo se diferencia. É como se, por trás de falas de aparência pitoresca, emergisse uma terrível impiedade. Nem sempre essa alternativa é bem-sucedida, pois, em alguns casos, a interpretação exacerbada descamba para a caricatura, como no caso da vizinha fofoqueira. Em outros, como no caso do delegado corrupto que chuta barriga de mulher, o aspecto brutal dos personagens vem à tona. Renato Borghi, a estrela da montagem, faz o sogro de Arandir, o jovem que beijou na boca um atropelado moribundo. Do alto de sua experiência, dá o diapasão aos jovens atores do Círculo dos Canastrões. Seu companheiro da companhia Teatro Promíscuo, Élcio Nogueira, intenso como o inescrupuloso repórter, parece disputar o protagonismo. Lívia Ziotti, como a cunhada solidária de Arandir, e Hudson Senna, como o próprio, também se destacam. No caso de Senna, é um achado sua caracterização como um ser espiritualizado e misericordioso, mas frágil no enfrentamento do mal. Se Nelson Rodrigues hoje é um clássico, suas peças ainda desafiam os encenadores com muitas possibilidades de leitura. No caso dessa montagem, transparece uma enorme força destrutiva nas falas dos seres por ele imaginados. Texto Anterior | Próximo Texto | Índice | Comunicar Erros |
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