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Diário do Rio

O mapa da cultura

Com lume ou sem lume

Roçar os cotovelos no balcão é uma arte

ALVARO COSTA E SILVA

HEMINGWAY ESCREVIA de pé e nu. O carioca muitas vezes come de pé, embora vestido. Em especial na hora do almoço e na correria do Centro. E não come, necessariamente, mal. Em certos botecos, a arte de roçar cotovelos no balcão, enquanto se mastiga um sanduíche de pernil com molho de cebola -sem sujar a camisa- é um prazer.

O melhor pernil está no Opus, pequeno bar na sassaricante rua Gonçalves Dias, à esquerda de quem vai ao mercado das flores. Peça o sanduíche "molhado" no pão canoa. O chope, claro ou escuro, é honesto.

O cachorro-quente de linguiça no pão francês com molho -uns 600 são vendidos por dia- é a especialidade do Café Gaúcho, desde 1935 na rua São José, com vista para o buraco do Lume (que a prefeitura insiste em chamar de praça Mário Lago). O escritor Reinaldo Moraes gostou tanto que resolveu conhecer todos os buracos do Rio: "Com lume ou sem lume".

A poucos passos dali, quase em frente ao que sobrou do desabamento de três prédios na rua Treze de Maio, no final de janeiro, é o local do quibe, a robusta peça de resistência do Al Kwait. A pimenta é quente. Depois, andar no Centro -flanar, jamais- para fazer a digestão vendo as moças.

TEMPO DE FLANAR

Flanar era no tempo de Julio Reis. Compositor, maestro, pianista, escritor e crítico, esse personagem hoje desconhecido foi popular no Rio do fim do século 19, quando criou valsas, polcas, habaneras e tangos e conviveu com artistas, intelectuais e políticos nas temporadas líricas do Teatro São Pedro.

No século 20, passou a compor sinfonias e óperas. Uma delas, "Heliophar", integrou a festa que se realizou na então capital federal em comemoração do Centenário da Independência, em 1922.

Admirador de Beethoven, Verdi, Wagner -entre os brasileiros, de Carlos Gomes, que o indicou para um período de estudos na Europa -, Julio Reis tinha horror a tudo o que fosse moderno e que de longe cheirasse a Heitor Villa-Lobos.

Dizia que a nova forma de compor desprezava a melodia. Que Debussy "traduz em música o sono e o vozerio dos sapos num charco; revela as confidências de um casal de cegonhas; e reproduz o mutismo filosófico de um orangotango em êxtase ao aparecimento da lua nova". Acabou atropelado pela modernidade. Morreu pobre, em 1933, no subúrbio de Piedade.

Ressurge agora, após quase 80 anos, no romance "O Inventário de Julio Reis", pelas mãos de seu bisneto, o jornalista Fernando Molica.

"É claro que houve pesquisa, mas é ficção. Escrevi com liberdade. Até a produção documental é, de certa forma, ficcional", diz Molica. O livro chega às livrarias em abril, com a chancela da Record.

CADÊNCIA LENTA

Gabriel Cavalcante, 26, é um monstro para cantar samba. Bom de garfo e de copo, fidalguia de tijucano da Muda, ele comanda no gogó o Samba da Ouvidor (sambadaouvidor.blogspot.com, na esquina com rua do Mercado).

A roda comparece de 15 em 15 dias -próxima função: sábado, 24, às 16h- e é poderosa: dois cavacos, dois violões, surdo, pandeiro de couro, reco-reco, repique de anel, três tamborins, agogô, ganzá, cuíca e prato e faca.

Coro afinado, cadência mais lenta para sambas como "Sem Ela", de Candeia, gravada num compacto raro de 72, e "Sinal do Tempo", de Nilo e Bala, bambas do Salgueiro.

"Vamos programar um dia só com repertório de Dona Ivone Lara, que, homenageada pela Império Serrano, amargou um injusto segundo lugar", diz Gabriel.

Em 2010, ele lançou o CD "O que Vai Ficar pelo Salão" e prepara o segundo, com composições próprias (uma parceria com o mestre Paulo César Pinheiro já está pronta) e arranjos de Maurício Carrilho.

FEDERICO FELLINI, O PAULISTA

O que salta aos olhos na exposição e no festival de filmes "Tutto Fellini", em cartaz na bela sede do Instituto Moreira Salles, na Gávea, é uma suspeita que se confirma.

Aliás, duas: Fellini foi Fellini sempre, desde o primeiro filme que assinou sozinho, "Abismo de um Sonho", no qual já estão todos os elementos de fabulação que tornariam seu universo tão particular.

A outra desconfiança é mais subjetiva: não seria Fellini tão italiano quanto paulistano? Em que outra cidade as festas são tão chiques, desesperadas e intermináveis como as de "A Doce Vida"?

Com justiça, os 400 itens da mostra -fotos, desenhos e cartazes- vão a São Paulo em junho.

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