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'A Virada': uma provocação erudita

NELSON DE SÁ

Um dos grandes "scholars" shakespearianos hoje, Stephen Greenblatt muda o foco em "A Virada: O Nascimento do Mundo Moderno", voltando-se ao Renascimento na Itália e, mais precisamente, ao ano de 1417.

Introdutor, nos anos 80, do novo historicismo, que busca analisar as obras de arte em seu contexto social, ele conta à Folha que decidiu "focar a narrativa no momento da redescoberta", isto é, o ano em que Poggio Bracciolini, ex-secretário papal, encontrou num monastério uma cópia do poema "De Rerum Natura" (sobre a Natureza das coisas), de Tito Lucrécio Caro (c. 96 a. C. - c. 55 a.C).

Relata a história de Bracciolini e outros humanistas italianos, apaixonados por buscar clássicos perdidos, e o efeito da obra -e do epicurismo- nos séculos seguintes.

"A Virada" recebeu na última terça o Prêmio Pulitzer de não ficção de 2012. Greenblatt, que estará no Brasil em julho, para a Flip, diz que nem sabia que estava no páreo. "O anúncio chegou até mim como uma surpresa completa, e estou, é claro, vibrando." Segundo o júri, seu livro foi escolhido por ser "provocador, argumentando que uma obra obscura de filosofia, descoberta há 600 anos, mudou o curso da história, antecipando a ciência e a sensibilidade de hoje."

"Acredito que, até algum tempo atrás, ninguém pensaria que é provocador reivindicar um elo entre o passado clássico e o presente", comenta, com ironia.

"Mas a provocação é a natureza desse elo, nesse caso particular: uma visão científica, sustentada por um poema brilhante, de um mundo que consiste em átomos e vazio e mais nada. Um mundo sem um desígnio da Providência ou sem a perspectiva de uma vida após a morte, no qual o maior bem é a busca do prazer."

O livro opõe a busca do prazer, preconizada pelo epicurismo, à busca da dor, marca do cristianismo.

Como acontece regularmente com os escritos de Greenblatt, alvo preferencial de representantes de escolas contrárias ao novo historicismo, como Harold Bloom e James Shapiro, a recepção inicial de "A Virada" no final do ano passado questionou as "conjecturas" feitas a partir de poucos dados factuais. Mas os maiores reparos foram de que poderia ter dedicado mais espaço às consequências de "De Rerum Natura" na modernidade, chegando aos dias de hoje.

O livro cita uma referência ao atomismo em "Romeu e Julieta", relaciona inúmeras passagens de Montaigne (1533-92) e para em Thomas Jefferson (1743-1826).

"Certamente não foi porque estava correndo para imprimir o livro: levei seis ou sete anos para escrever", diz o autor, brincando com as críticas.

"Mas, para trás (a Antiguidade), e para a frente (o futuro), decidi só oferecer vislumbres relativamente breves. Shakespeare e Montaigne estão na parte mais externa da minha atenção, e eu perderia o equilíbrio se me alongasse [em outras épocas]."

Influenciado por anos de estudo do epicurismo, Greenblatt já pensa no próximo livro.

"Particularmente desde 'A Virada', estou interessado na relação entre biologia, especialmente biologia evolutiva, e literatura", diz.

"E estou interessado pelo modo como os artistas fazem as coisas tomarem vida -ou seja, no que os antigos chamavam de 'enargeia', vivacidade ou naturalidade (lifelikeness)."

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"Ninguém pensaria que é provocador reivindicar um elo entre o passado clássico e o presente", diz Greenblatt. "Mas a provocação é a natureza desse elo"

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