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Arquivo Aberto

As propostas de Sócrates

São Paulo, fevereiro de 1984

JUCA KFOURI

DOUTOR SÓCRATES Brasileiro Sampaio de Souza Vieira de Oliveira sempre foi uma figura especial, firme em seus princípios, mas incapaz de dizer não para qualquer proposta nova, mesmo que bizarra, desde que representasse algum ruído, algo incomum.

Ele topava, dedicava horas das suas folgas para atender e não cobrava um tostão, fazia por acreditar e por diversão.

Por isso, aceitou fazer fotos para a revista "Placar" como "O Pensador", de Rodin, para simbolizar o cérebro do time do Corinthians que ele comandou entre 1978 e 1984, e como d. Pedro 1º, quando prometeu ficar no Brasil caso a emenda das eleições diretas fosse aprovada no Congresso Nacional no dia 25 de abril de 1984.

Era o seu Dia do Fico, que acabou frustrado e culminou com a ida para Florença, onde vestiu a camisa violeta da Fiorentina.

Essas são histórias, embora saborosas, já por demais conhecidas, que viraram capa da revista à época e foram fartamente comentadas em dezembro do ano passado, por ocasião de sua morte, aos 57 anos.

Menos conhecida, mas não menos saborosa, foi a noite em que ele aceitou ir ao programa que a revista mantinha na TV Abril, num horário comprado à TV Gazeta, em sua faixa nobre, entre 20h e 22h.

A ideia era a de que ele falasse sobre política, de um lado, e, de outro, o governador André Franco Montoro (1916-99) sobre futebol.

Estávamos em fevereiro de 1984, no auge da efervescência da campanha das Diretas-Já e da bem-sucedida "Democracia Corinthiana".

Ambos toparam imediatamente e tratamos de produzir o programa da maneira mais simples possível, apenas pedindo ao governador de São Paulo que fosse sem paletó nem gravata e ao craque do Corinthians que, ao contrário, fosse de paletó e gravata.

Montoro aceitou sem pestanejar, ao contrário do Magrão, que disse que estava para nascer quem o fizesse se vestir daquele modo. Mas que ninguém se preocupasse, porque ele surpreenderia com uma indumentária original, que seria um sucesso.

Confesso ter tremido na base. Por conhecê-lo bem, temi que aparecesse de bermuda, chinelo de dedo e camiseta regata num cenário que era vazado e mostrava os entrevistados dos pés à cabeça.

Na verdade, menosprezei sua criatividade, porque minha ideia não seria nada original.

Eis que, em cima da hora do início do programa -ao vivo-, com Montoro já sentado na bancada do estúdio, microfone devidamente posto na camisa social, surge o Magro, vestido da maneira mais casual que pôde imaginar: de macacão!

Tive ímpetos de esganá-lo, mas Montoro ria tanto e o pessoal do estúdio festejava tanto que achei melhor relaxar e me concentrar no programa.

Que foi um show.

Ele quase não deixou o também alvinegro governador falar, tantas eram a propostas que tinha para a cidade de São Paulo, para o Estado dos paulistas e, é claro, para o país. Eu chamando o governador de governador e de senhor, ele chamando de Montoro e de você.

Até que não aguentei e, meio a sério, meio brincando, num intervalo, alertei o Magrão para o eventual excesso de informalidade.

Antes que ele saísse com uma das suas, Franco Montoro atalhou: "Ô Juca, ele acaba de ser bicampeão paulista com a 'Democracia Corinthiana'. Pode me chamar do jeito que quiser". E assim foi até o fim do programa.

Quatro anos antes, em dezembro de 1980, havíamos resolvido mostrá-lo pós-futebol, com 50 anos, como se fosse em 2004, devidamente paramentado como médico.

Ele mais uma vez topou passar um tempão sendo maquiado.

Quando, de fato, completou seu cinquentenário, mostrei a ele a foto e ele achou que estava melhor do que o retrato.

E estava mesmo.

Não imaginávamos que seria por tão pouco tempo.

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