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A literatura é poda

Alejandro Zambra e a escrita como jardinagem

RESUMO Revelação do romance chileno, Alejandro Zambra teve seu diminuto "Bonsai" lançado nos EUA e no Brasil e está entre os autores convidados da Flip, em julho. Ele fala à Folha sobre a recente febre literária entre os jovens no Chile e a influência de Bolaño e de Vila-Matas, entre outros temas.

RAQUEL COZER

ALEJANDRO ZAMBRA, 36, prefere não incluir o próprio nome entre o que ele entende por jovens escritores chilenos. Em seu país, ele diz, autores jovens hoje são aqueles que já têm "dois ou três romances" escritos aos 20 anos -uma onda recente de precocidade criativa que ele vê como prova incontestável da força de Roberto Bolaño (1953-2003) sobre as novas gerações.

"Com a idade deles, eu nem pensava nisso", diz. Zambra já publicava poemas aos 20 e poucos anos ("Bahía Inútil", de 1998, e "Mudanzas", de 2003), mas romance, mesmo, só conseguiu terminar aos 30. Foram oito anos desde que o título, "Bonsai", lhe surgiu. No fim, em 2006, virou um desses "romances de capítulo curtos", magrinhos, "que estão na moda" (a definição, dele mesmo, aparece no próprio livro).

A razão para a demora e para o resultado tão conciso está contida no nome cultivado por quase uma década: para Zambra, escrever é como cuidar de um bonsai, "é podar os ramos até tornar visível uma forma que já estava ali".

Conduzido pelos dilemas amorosos e literários de um casal de estudantes de letras,  "Bonsai" [trad. Josely Vianna Baptista, Cosac Naify, 96 págs., R$ 23]  é na verdade bem mais elaborado do que sua sinopse faz parecer.

Antes mesmo de saber os nomes dos protagonistas (Julio e Emilia), o leitor é informado, logo na primeira linha, de que "no final ela morre e ele fica sozinho". Logo mais, o narrador esclarece: "O resto é literatura". "Bonsai" é um romance que trata da escrita, da leitura, da literatura.

A obra recebeu prêmios, foi traduzida para mais de dez países, ganhou adaptação para o cinema (por Cristián Jimenez, cujo trabalho mereceu elogios no recém-terminado festival de Cannes) e abriu caminho para as traduções dos trabalhos seguintes do autor, "La Vida Privada de los Árboles" (romance, 2007), "No Leer" (ensaios, 2008) e "Formas de Volver a Casa" (romance, 2011).

Convidado da décima Flip, Zambra poderá testemunhar em Paraty duas dezenas de autores brasileiros passando por algo que ele mesmo viveu dois anos atrás: a experiência de figurar na seleção de jovens "melhores autores" da prestigiosa revista britânica "Granta". Ele entrou na edição de hispanoamericanos; a de brasileiros será lançada durante a festa literária, no mês que vem.

O autor adianta que estar na lista "é um pouco incômodo": "Tanta luz na cara pode estropiar a pele", resume, na entrevista a seguir, concedida por e-mail à Folha.

Folha - Você começa "Bonsai" contando o que acontece no fim. É um modo de fazer com que o leitor seja movido menos pela trama em si e mais pela forma da narrativa?

Alejandro Zambra - Creio que isso pode ser entendido de muitas formas, mas, é claro, eu me interesso por uma literatura mais de atmosferas do que de ações, e o começo de "Bonsai" de algum modo aponta para isso.

Também gosto de pensar que o narrador está o tempo todo ajudando os personagens, protegendo-os, ainda que às vezes os trate bastante mal.

Acredito que os protagonistas, Julio e Emilia, adorariam saber que são personagens de um romance, mas certamente escolheriam uma narrativa mais heroica que "Bonsai" para protagonizarem.

Você já disse que o nome "Bonsai" é anterior à ideia do romance em si. Chegou a pensar em fazer dele um livro de poemas?

Sim, a primeira coisa que eu soube a respeito desse livro foi o título, assim como aconteceu com "La Vida Privada de los Arboles", meu segundo romance. Antes de tentar uma narrativa, quis fazer um livro de poemas. A verdade é que escrevi muito e, salvo dois ou três textos, nenhum deles me agradou muito.

Antes de me encontrar com o "Bonsai" romance, escrevi um grande poema, um livro brevíssimo que se chama "Mudanzas" e que, creio, está conectado com "Bonsai" e com os livros seguintes, e que efetivamente tem um tom muito narrativo.

Em um texto publicado no blog da sua editora, você diz que escrever é como "podar os ramos até tornar visível uma forma que já estava lá". No caso deste livro, como essa forma apareceu para você?

Me interessava o bonsai, a ideia de que cuidar de um bonsai era parecido com escrever. Pensava, por exemplo, nesse poema de Rubén Darío, "eu persigo uma forma que não encontra meu estilo."

Meu método consiste em mergulhar em imagens que me interessam, e eu digo a verdade quando escrevo que não sei bem para onde vou; é justamente isso o que dá sentido à escrita.

"Estou escrevendo com demasiada facilidade, é preciso desconfiar disso", disse por aí, lindamente, Clarice Lispector. Eu penso assim também.

Na Flip, você dividirá com Enrique Vila-Matas a mesa chamada "Apenas Literatura", já que ambos pensam a escrita na própria ficção. Acha que são diferentes as maneiras como vocês dois fazem isso?

Eu me sinto muito honrado de dividir essa mesa com Enrique Vila-Matas, admiro a obra dele. Ele é um grande escritor e, como todos os grandes escritores, um extraordinário leitor.

Eu acredito que meu projeto seja diferente do dele, sendo a maior diferença a que há atualmente entre o Barcelona e o Colo-Colo: ele é tão bom que até descobriu a beleza de não ganhar sempre todos os campeonatos; eu jogo aos tropeções e nem sequer me classifico para a Libertadores.

"Bonsai" é seu único livro publicado no Brasil. Seus outros livros dialogam com ele?

Totalmente. "La Vida Privada de los Árboles" vem diretamente de "Bonsai", o romance que escreve Julián, o protagonista de "La Vida Privada de los Árboles", é "Bonsai". E em "Formas de Volver a Casa" há um parágrafo tomado literalmente de "La Vida Privada de los Árboles". Também há conexões entre "Formas de Volver a Casa" e meu livro de crônicas e ensaios "No Leer".

É difícil para mim não misturar os livros porque eles correspondem a necessidades similares e acho que, de algum modo, a gente sempre escreve o mesmo livro.

Como é para jovens escritores chilenos conviver com essa presença tão forte de Roberto Bolaño sempre que se fala de literatura contemporânea do Chile? Existe alguma influência perceptível?

Para mim, Bolaño é como um irmão mais velho que chega em casa muito tarde da noite e começa a contar suas aventuras. E, ainda que você tenha vontade de viajar e experimentar essas mesmas aventuras, de algum modo você sabe que o que resta a você é ficar onde está, esgotar uma paisagem única, se aprofundar em algumas poucas ruas que você conhece de cor.

A obra dele me interessa muito, foi muito importante para mim. E não me diga que ele morreu, porque não vou acreditar em você.

Agora, a respeito de sua influência sobre os mais jovens, a verdade é que eu já não sou jovem, mas posso ver com bastante clareza que, sim, essa influência existe. A começar porque agora os jovens chilenos escrevem romances. Aos 20 anos, já escreveram dois ou três romances, enquanto eu, quando tinha a idade deles, nem pensava em algo assim.

Quando você estiver na Flip, o público brasileiro saberá quais foram os nomes locais selecionados pela "Granta". Pelos autores selecionados com você na edição de hispanoamericanos, arriscaria dizer o que é um "melhor autor" para a revista? Como é estar numa lista dessas?

Não faço ideia. Conheço vários dos selecionados em língua espanhola, e gosto realmente de alguns deles, mas ainda não li os textos. Estar nessas listas é sempre um pouco incômodo: tanta luz na cara pode estropiar a pele.

Para um jovem escritor latino-americano, não é tão comum ter os primeiros romances traduzidos para a língua inglesa, ainda mais tão pouco tempo depois da publicação original. Como é a experiência? É possível comparar a recepção dentro e fora do Chile?

Não penso muito na recepção dos meus livros, na verdade. Não creio que pensar nisso ajude muito. A experiência com "Bonsai" na [editora americana] Melville House foi muito boa, e com "La Vida Privada de los Árboles" na Open Letter, ainda melhor, pois fiz dois grandes amigos, o editor Ej Van Lanen e a tradutora Megan McDowell -que também traduzirá, para a Farrar Straus and Giroux, "Formas de Volver a Casa".

Cada tradução me provoca uma sensação difícil de explicar. Sempre custo a acreditar que, não estando ali minhas palavras exatas, seja eu o responsável pelos livros.

Então você acha que na tradução perde-se muito da escrita?

As únicas traduções que li, a para o inglês e agora, esta, para o português, me pareceram muito rítmicas, muito inteiras, muito bem feitas. Mas, é claro, é preciso levar em conta que essa é uma opinião aproximada, já que o que entendo do português vem da bossa nova e de Roberto Carlos.

Em uma entrevista recente, você disse que conheceu obras importantes da sua vida em xerox, porque os livros no Chile são caros. O que pensa sobre a pirataria de livros agora que é escritor?

Penso o mesmo. Os estudantes ainda estudam a partir de livros xerocados e agora baixam textos na internet. A questão é que, num país onde os livros são tão caros, como o Chile, e ir à universidade ainda mais, não há alternativa.

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