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MEMÓRIAS QUE VIRAM HISTÓRIAS

Unha xornada xenial

Santiago de Compostela, 2000

BERNARDO AJZENBERG

No final de 2000, recebi um convite para o encontro internacional Galego no Mundo - Latim em Pó, de 11 a 15 de dezembro, em Santiago de Compostela, capital da Galiza, na Espanha.

Sendo o galego e o português variantes do mesmo sistema linguístico -o galego-luso-afro-brasileiro-, a universidade local, com apoio da prefeitura, convidou gente da literatura, do cinema, da música, do teatro e da comunicação dos países integrantes desse sistema para trocar "reflexons", "opinions" e "sensaçons" sobre a língua como "elemento individualizador da nossa cultura", impulsionar "acçons conxuntas" etc.

Dentre os brasileiros, havia no meu grupo, de literatura, os romancistas Cristovão Tezza, Bernardo Carvalho e Márcia Denser. De outras áreas, lembro estarem Jean-Claude Bernardet e Tata Amaral (cinema) e José Miguel Wisnik (música).

Os galegos se mostraram muito generosos e hospitaleiros, joviais, bem-intencionados e... alegremente desorganizados. Depois de um encontro inicial na biblioteca do Centro Galego de Arte Contemporânea, para receber orientações de ordem prática, tivemos de cumprir um périplo a pé, em fila indiana, por repartições públicas em busca da verba para despesas de hospedagem, transporte e refeições.

Cada funcionário informava estar o dinheiro, na verdade, na outra repartição, não, naquela outra, na outra... As suadas pesetas finalmente saíram, mas, àquela altura já tínhamos tomado muita chuva e vento, a 10oC (o kit recebido mais tarde continha uma capa de chuva azul-marinho muito resistente!).

As "reunions" aconteciam sempre com atraso, num penumbroso café-bar com o nome sugestivo de Momo, bem aconchegante.

Predominava a informalidade -recitações, conversas sem rumo, ninguém parecia saber abordar o tema. Talvez por isso todos se sentissem muito à vontade, como num convescote internacional.

Ao final da nossa mesa, batizada "Café de Brasil", até mesmo a minha filha adolescente, que levei a tiracolo, pôde improvisar alguns números na apresentação musical de encerramento.

Não sei, até hoje, quais foram as "conclusóns" do encontro Galego no Mundo. Haveria um livro, atas... A "freguesia das letras", sob a coordenação do franzino e agitado poeta galego Carlos Quiroga, chegou a esboçar um folhetim cujos capítulos seriam escritos por um autor de cada país -fiz o número quatro-, mas nem esse projeto, planejado para vir à luz após o congresso, vingou como se esperava.

A coisa toda, porém, merece um registro positivo. Não só pelo relaxante clima de desapego, mas, em especial, pelos espetáculos musicais e pelas intermináveis conversas nos bares e restaurantes -boa parte na "casa de xantar" Dezaseis, de paredes de pedra-, culminando, no último dia, num simpático passeio à Finisterrae, ponto extremo da costa galega, uma vista assustadora do Atlântico.

O escritor moçambicano Mia Couto, então quase desconhecido no Brasil, também participou da "xornada", e ao final deixou um bilhetinho para mim e minha filha cujo tom singelo expressa, creio, o resultado mais consistente e verdadeiramente relevante dos dias passados em Santiago de Compostela: o surgimento de amizades entre conterrâneos ou correspondentes de além-mar. (Perdoe, leitor, a irresistível pieguice deste fecho sincero e realista).

Ele diz: "Obrigado pela tua generosidade, Anna. Deliciei-me com Rita Ribeiro que não conhecia. Tu és um amor e eu que sou pai de duas meninas sei o que estou dizendo. Para ti Bernardo foi um gosto estar contigo. Ficamos em contacto. Um abraço e boa viagem.".

Por coisas desse tipo, realmente valeu a pena o "Latim em pó".

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