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Diário de Tóquio

O MAPA DA CULTURA

O Japão se angliciza

Dos negócios à identidade cultural

ANGELO ISHI

Nunca foi segredo que a maioria dos japoneses sofre do chamado "eigo complex", o complexo por não conseguirem se comunicar em inglês. Mas a novidade é que cada vez mais empresas estão pressionando os seus funcionários a aprender a língua.

Quem inaugurou a tendência foi o franco-brasileiro Carlos Ghosn. Ao assumir o comando da Nissan em 1999, ele lançou o famoso "Revival Plan", que fez renascer, de fato, a montadora japonesa. Houve quem acreditasse que um dos fatores decisivos para a guinada da Nissan foi a adoção do inglês como língua oficial.

O ano de 2010 foi um marco. A gigante da moda Uniqlo e a líder de vendas pela internet Rakuten anunciaram que o inglês seria sua língua oficial. O presidente da Rakuten, Hiroshi Mikitani, radicalizou: estabeleceu um prazo de dois anos para que os seus funcionários comprovassem o aprimoramento das suas notas no exame de proficiência em inglês Toeic.

Em junho, Mikitani lançou o livro "Englishnization" (Kodansha), no qual defende sua filosofia de anglicização da empresa.

Se até então o debate sobre os prós e contras do inglês se restringia à arena da administração empresarial, o livro alçou a discussão para o âmbito da identidade cultural: valeria a pena curvar-se diante do pragmatismo linguístico, sob pena de se perder a riqueza das relações humanas inerente à língua japonesa?

Os "englishnizationistas" têm a seu favor a valorização do chamado "global jinzai" (recurso humano global): na hora de contratar recém-formados nas universidades, as grandes companhias estão priorizando os japoneses fluentes em inglês e os estrangeiros bilíngues.

THE BOOK IS ON THE TABLE

A demanda por "recursos humanos globais" está provocando também uma revolução no setor educacional. Nas universidades japonesas, o ensino do inglês virou prioridade máxima.

Para este ano letivo, o Ministério da Educação aumentou em 60% o orçamento das bolsas pagas aos japoneses que forem estudar no exterior, num total de 3,1 bilhões de ienes (o equivalente a R$ 800 mil), além de 5 bilhões de ienes (R$ 1,3 milhão) para as universidades que fortalecerem suas aulas de inglês.

Já a Universidade de Tóquio surpreendeu ao anunciar que pretende mudar a época do vestibular da primavera para o outono.

Traduzindo: vai equiparar o calendário acadêmico ao das universidades americanas. A intenção é facilitar temporadas de seus alunos no exterior e atrair mais estudantes estrangeiros.

O fato é que, por conta do pânico nuclear, o fluxo de estudantes estrangeiros que vêm para o Japão tem caído tanto quanto o de japoneses que vão estudar fora.

Em 1997, 47 mil japoneses foram estudar no exterior. Em 2010, este número já tinha caído para 21 mil.

FUKUSHIMA E YAKUZA

Um dos melhores livros-reportagem lançados após a tragédia da usina de Fukushima foi "A Energia Nuclear e a Yakuza", de Tomohiko Suzuki, que sai pela editora Bungei Shunju.

O tema da máfia japonesa e sua penetração em vários setores é tabu na imprensa. Suzuki mostra, corajosamente, como a máfia tirou vantagem do acidente nuclear, agenciando o envio de trabalhadores temporários para as obras em áreas de alta radiação.

Ele próprio se deixou recrutar e passou uma temporada pondo sua própria saúde em risco na usina de Fukushima. O livro ganha maior relevância para o leitor brasileiro diante da tentativa de recrutarem nativos do Brasil para trabalhos na área de risco.

O anúncio de emprego foi publicado em junho por um veículo de classificados em português. Diante dos protestos da comunidade local, ninguém chegou a ser contratado.

"CORAÇÕES SUJOS"

Foi programada para ontem, no Eurospace, um dos melhores cinemas de Tóquio, a estreia de "Kegareta Kokoro", título japonês para "Corações Sujos", de Vicente Amorim, baseado no livro de Fernando Morais.

O tema do filme -os atentados do grupo terrorista Shindo Renmei- é desconhecido pela maioria da população japonesa.

Na página oficial do filme (kegaretakokoro.com), o jornalista Shuntaro Torigoe indaga: "O que fez esses cidadãos japoneses comuns cometerem essa loucura? Este é um tema que os japoneses de hoje precisam encarar de frente."

Você encontrará também o meu comentário: "Os japoneses só poderão fechar o balanço sobre a Segunda Guerra Mundial depois de ver esse filme."

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