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Diário de Berlim

O MAPA DA CULTURA

O direito de circuncidar

E o romance sueco que era alemão

SILVIA BITTENCOURT

QUANDO O CIRURGIÃO sírio Omar Kezze operou um menino muçulmano em 2010, em Colônia, não esperava deflagrar uma confusão na Alemanha. Aos 60 anos (mais de 20 trabalhando legalmente no país), era um médico experiente, acostumado a fazer circuncisões.

Mas a operação teve complicações, Kezze foi acusado de negligência e o imbróglio chegou à Justiça. Em maio último, um tribunal de Colônia inocentou o cirurgião, que fizera a intervenção nos conformes, a pedido dos pais da criança. Mas declarou a circuncisão como lesão física e, por isso, punível.

O circo estava armado.

Enquanto as comunidades muçulmana e judaica protestaram pelo obstáculo contra um costume religioso milenar, intelectuais tomaram os jornais, a maioria contra o veredito. Mas não faltaram elogios, sobretudo de instituições de defesa da criança. Judeus foram xingados nas ruas, e muitas cartas elogiaram os juízes nos jornais.

Pisando em ovos sempre que o assunto envolve judeus e Israel, o governo se vê pressionado. Bem a Alemanha, que 70 anos atrás exterminou judeus, vem questionando um fundamento do judaísmo.

Na semana passada, foi a vez de Charlotte Knobloch, 79, rebelar-se. Ex-presidente do Conselho Central dos Judeus na Alemanha, ela é sobrevivente do holocausto e porta-voz dos judeus que ficaram na Alemanha após a Segunda Guerra.

"Há décadas venho explicando por que não só é certo, como também bom viver neste país []. Mas, pela primeira vez, sinto meus alicerces desmoronarem", escreveu no diário "Sueddeutsche Zeitung".

Knobloch viu tons antissemitas no debate e aproveitou para alfinetar o escritor alemão Günter Grass, que meses atrás atacara Israel num de seus "poemas políticos". Chamou-o de "Nobel envelhecido, com um passado na SS".

Inseguros, médicos que fazem circuncisão na Alemanha esperam para breve nova regulamentação.

PROTESTOS NO ADORNO

Associações judaicas protestaram contra a entrega do Prêmio Theodor W. Adorno à filósofa americana Judith Butler, no dia 11.

Professora na Universidade da Califórnia, Butler ficou famosa com suas análises pós-estruturalistas da teoria feminista. No Brasil, lançou em 2003 "Problemas de Gênero" (Civilização Brasileira).

O problema é que Butler, judia, vem participando de boicotes contra Israel, por causa da ocupação em territórios palestinos. Já afirmou que os grupos islâmicos Hamas e Hezbollah são "movimentos de esquerda legítimos". Isso bastou para ser taxada de antissemita.

Num artigo no "Die Zeit", a filósofa considerou as acusações "caluniosas" e negou ter apoiado as organizações. Declarou repudiar "qualquer forma de violência".

Concedido por Frankfurt a cada três anos, o Prêmio Adorno abrange filosofia, música, cinema e teatro. Já foram agraciados o filósofo Jürgen Habermas (1980) e o cineasta Jean-Luc Godard (1995).

ROMAN À CLEF

Um escândalo literário agitou o verão alemão. O jornal "Die Welt" revelou em agosto quem estava por trás do lançamento policial supostamente sueco "Der Sturm" (a tempestade), de Per Johansson: o verdadeiro autor era Thomas Steinfeld, editor cultural do conceituado "Sueddeutsche Zeitung".

Até aí, tudo bem. Mas o personagem assassinado cruelmente na trama tem muitas semelhanças com um dos mais famosos jornalistas da Alemanha, Frank Schirrmacher, editor do diário conservador "FAZ", de Frankfurt. Ele foi chefe de Steinfeld anos atrás e é hoje um de seus maiores rivais.

O livro seria assim um "roman à clef", baseando-se em pessoas e fatos reais. Steinfeld assumiu ter escrito o livro. Mas insistiu que o morto é um personagem fictício.

NOVA ESCOLA PARA O OSCAR

A Alemanha indicou "Barbara", de Christian Petzold, para disputar o Oscar de filme estrangeiro em 2013. O filme, um drama, se passa na antiga Alemanha Oriental.

Petzold é um representante da "nova escola de Berlim", geração de cineastas que trata da atualidade e da história recente alemã. Seu "Segurança Interna" (2000) passou em cineclubes do Brasil.

A crítica alemã aprovou a indicação. Acredita que a Academia tem queda por temas relativos à divisão da Alemanha, desde a premiação de "A Vida dos Outros" (2006), de Florian Henckel von Donnersmarck.

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