Texto Anterior
| Índice | Comunicar Erros
Imaginação Quatro corvos TED HUGHESTRADUÇÃO SÉRGIO ALCIDES ILUSTRAÇÃO CARCARAH AQUELE MOMENTO Quando ergueram o focinho da pistola Fumegando azul Como se ergue um cigarro do cinzeiro E a única face restante no mundo Jazia rompida Entre mãos que relaxavam, sendo tarde demais E as árvores se fecharam para sempre E as ruas se fecharam para sempre E o corpo jazia sobre o entulho Do mundo abandonado Junto dos utensílios abandonados Expostos para sempre à infinitude Corvo teve que ir atrás de algo para comer. LINHAGEM No princípio era o Grito Que gerou o Sangue Que gerou o Olho Que gerou o Medo Que gerou a Asa Que gerou o Osso Que gerou o Granito Que gerou a Violeta Que gerou a Guitarra Que gerou o Suor Que gerou Adão Que gerou Maria Que gerou Deus Que gerou o Nada Que gerou o Nunca Nunca Nunca Nunca Que gerou Corvo Gritando por Sangue Larvas, migalhas Qualquer coisa Implumes cotovelos tremendo na imundície do ninho. SANGUEZINHO Ô sanguezinho, nas montanhas se escondendo das montanhas Machucado por estrelas e pingando sombra Comendo a terra medicinal. Ô sanguezinho, desossadinho esfoladinho Arando com a carcaça de um pintarroxo. Ceifando o vento e debulhando as pedras. Ô sanguezinho, batucando numa caveira de vaca Dançando com as patas de um mosquito Com uma tromba de elefante com uma cauda de crocodilo. Ficou tão sabido ficou tão terrível Sugando as tetas mofadas da morte. Pousa no meu dedo, canta no meu ouvido, ô sanguezinho. TESTE JUNTO AO PORTÃO DO VENTRE De quem são esses pezinhos ossudos? Da morte. De quem é essa cara arrepiada e chamuscada? Da morte. De quem são esses pulmões ofegantes? Da morte. De quem é esse macacão de músculos? Da morte. De quem são essas vísceras indizíveis? Da morte. De quem é essa discutível cachola? Da morte. E todo esse sangue enxovalhado? Da morte. E esses olhos de eficácia mínima? Da morte. E essa linguinha maldosa? Da morte. E essa vigília ocasional? Da morte. Doado, roubado ou detido à espera de julgamento? Detido. De quem é a terra inteira chuvosa e pedregosa? Da morte. De quem é o espaço inteiro? Da morte. Quem é mais forte que a esperança? A morte. Quem é mais forte que a vontade? A morte. E mais forte que o amor? A morte. E mais forte que a vida? A morte. Mas quem é mais forte que a morte? Eu, evidente. Pode passar, Corvo. Texto Anterior | Índice | Comunicar Erros |
Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress. |