São Paulo, domingo, 06 de novembro de 2011

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice | Comunicar Erros

ARQUIVO ABERTO
MEMÓRIAS QUE VIRAM HISTÓRIAS

O herói da cidade

São Paulo, 25 de janeiro de 1954

Tatiana Belinky/Arquivo Pessoal
Julio Gouveia com retrato do dr. Emílio Ribas durante entrevista com a viúva, Maria Carolina Bulcão Ribas

TATIANA BELINKY

POR OCASIÃO DO quarto centenário de São Paulo, a prefeitura preparava grandes festividades para comemorar a data histórica. A cidade estava em festa.
Ser um paulistano de 400 anos era uma espécie de título nobiliárquico entre quem vivia na capital.
Nós -Julio Gouveia, meu marido, e eu- estávamos na TV Tupi de São Paulo. Eu como roteirista, e Julio como produtor, diretor e apresentador dos nossos programas para a infância e a juventude.
Aproximava-se a data da grande comemoração, e a TV Tupi resolveu celebrar com um programa especial. Convidou o nosso grupo, Tesp (Teatro-Escola de São Paulo), para a produção e a apresentação do programa, que receberia o nome de "Um Herói de São Paulo".
Aceitamos o convite com muito prazer e começamos logo a nos preparar para esse importante trabalho. Todo mundo pensou que para o papel principal escolheríamos, talvez, um bandeirante ou algum outro tipo de herói convencional ou conhecido.
Mas, diante desse desafio, Julio decidiu, peremptoriamente, que o herói de São Paulo teria de ser um médico. E esse médico seria Emílio Ribas.
Para quem ainda não sabe, Emílio Ribas foi realmente um herói de São Paulo. Herói porque, após longa pesquisa, comprovou que o transmissor da perigosa e mortífera febre amarela era um mosquito.
Mesmo entre profissionais, pouca gente naquele momento acreditou na descoberta. Foi daí que Emílio Ribas decidiu jogar pesado para comprovar sua teoria.
O que ele fez?
Fez nada menos que oferecer a própria vida, colocando-a em risco para tirar as dúvidas de quem quer que fosse.
Emílio Ribas se fez trancar em um espaço fechado, cheio de mosquitos transmissores de doença, expondo-se ao contágio inevitável por inúmeras picadas.
Após um período programado de tempo, Emílio Ribas, médico e cercado por médicos, escapou com vida, e seu ato heroico ficou para a história.
A fotografia que ilustra esta crônica é de uma entrevista que Julio e eu fizemos com a viúva do herói de São Paulo bem antes da apresentação do programa. Eu não apareço na imagem porque estava com a câmara na mão...
É curioso notar que Julio Gouveia, com uma barba branca e um pouco de maquiagem, ficava realmente parecido com o Emilio Ribas que se vê no quadro.
Para começar o trabalho, tivermos de fazer muita pesquisa. Mergulhei de cabeça, com tudo, nessa rápida e indispensável tarefa.
Julio, diretor e médico superconsciente, decidiu ele mesmo desempenhar o papel do herói. Não iria permitir nenhuma licença poética com o texto nem com a execução do programa, que tinham que ser rigorosamente corretos, já que a base era um fato histórico.
A telepeça foi de duração maior do que a de costume, até porque a história era mais longa, como também a ocasião era especial.
Quero lembrar, para encerrar esta crônica, que no mesmo dia do nosso programa a festiva cidade de São Paulo ganhou uma verdadeira chuva de prata, despejada de avião, com milhares de pequenos triângulos de alumínio que brilhavam ao sol. O efeito era o de um conto de fadas.
Até quem era criança naquele dia se lembra dessa impressão maravilhosa no dia do quarto centenário de São Paulo...


Texto Anterior: Diário de Caracas: Perfurando, tudo dá
Próximo Texto: Imaginação: A mala
Índice | Comunicar Erros



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.