São Paulo, domingo, 10 de outubro de 2010

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DIÁRIO DE BUENOS AIRES
O MAPA DA CULTURA

Frankfurt argentina

Da feira de livros à escola de Adorno

DAMIÁN TABAROVSKY
tradução PAULO WERNECK

JÁ SABEMOS O RESULTADO: a Argentina é a campeã do mundo em literatura contemporânea! Pelo menos a literatura nos consola das sensaborias do futebol. Na Copa da África do Sul, fomos eliminados pela Alemanha com um formidável 4 a 0, mas agora os livros fazem a revanche.
E lá desembarcou a Argentina, como país convidado de honra na Feira de Frankfurt, feira de negócios onde se compram e se vendem direitos de tradução, de edição, livros futuros e sucessos antigos. É o mercado funcionando a plenos pulmões. O capitalismo despido. Oh, mão invisível, roçai com teus dedos a pobre literatura argentina e tornai-a milionária!
Mas não foi o que aconteceu. Aconteceu, ao contrário, uma peregrinação de escritores argentinos dando voltas, perdidos pela Alemanha, agentes que se queixavam da baixa quantidade de negócios, jornalistas que não sabiam o que escrever, editores sorridentes para as fotos, funcionários públicos, incluindo a própria presidente Cristina Kirchner, a esta altura transformada numa espécie de estrela pop, e curiosos de todo tipo. Até eu mesmo estive (a feira termina hoje) cumprindo o rito de dar uma dessas conferências em que não se sabe quem se aborrece mais, o palestrante ou o público.
Mas já de volta a Buenos Aires, resta um pouco de nostalgia (não pelo que foi, mas pelo que poderia ser) e um ponto a destacar: o programa Sur. Calcado no programa de ajuda à tradução que a Embaixada da França aplica com muito sucesso em Buenos Aires, o programa Sur foi o plano do governo para dar subsídios à tradução de livros argentinos em outros países.
Foi um sucesso: concedeu 292 créditos, para publicar livros em mais de 20 idiomas. Além disso, com um critério democrático e transparente, o que é raro na Argentina. E eficiente. Mas essa não é a boa notícia.
A boa notícia é a continuidade do programa. Muitos -inclusive eu- achávamos que o programa Sur acabaria nem bem terminasse o show de Frankfurt. Pois não foi assim. Certamente não serão traduzidos tantos livros (se só saem cinco ou dez bons livros por ano, para que traduzir os demais?), tudo será mais modesto.
Mas a continuidade é uma grande notícia para a literatura e para a política cultural de um país que não consegue que suas políticas tenham continuidade no tempo.
Haverá chegado o tempo da literatura argentina? Como funcionam as coisas em Buenos Aires?
Para cada 20 ou 30 escritores medíocres, há um que vale a pena ser lido. Que merece ser descoberto por um leitor estrangeiro que ame literatura. Que faz da sintaxe um lugar de busca de algo novo, a irrupção de outro mundo.
E a feira de Frankfurt? Pois é, terminou. Que nem a Copa do Mundo.

LA ESCUELA DE FRANKFURT
E enquanto a Feira de Frankfurt chama a atenção, esquecemos da outra Frankfurt que esta cidade deu, mais interessante: a Escola de Frankfurt, o grupo de intelectuais que girava em torno de T.W. Adorno e que incluía Walter Benjamin. Poucos sabem que a escola foi fundada, nos anos 1930... com dinheiro de um argentino!
Félix Weil nasceu em Buenos Aires, filho de alemães que fundaram uma empresa de exportação de cereais no pampa e enriqueceram rapidamente. Félix foi para a Alemanha para converter-se em filantropo do marxismo não ortodoxo e do pensamento crítico.
Enquanto isso, escreveu um livro (chamado "O Enigma Argentino") que nunca havia sido traduzido para o espanhol (Buenos Aires é uma cidade ingrata). Até agora, quando enfim acaba de ser lançado. Para Weil, o mistério Argentino reside em saber "por que a indignação pública não é causa de revoluções". Boa pergunta.

PINTURA PORTENHA
Alfredo Prior é um dos pintores portenhos mais interessantes, entre os artistas que começaram a expor em meados dos anos 1980. Com influências que vão das vanguardas históricas ao coloristas renascentistas italianos, e até de poetas como Arturo Carrera, ele mostra seus últimos trabalhos no Museu de Arte Latino-Americana de Buenos Aires (MALBA).
Os últimos trabalhos de Prior abandonam a figuração para entrar no mundo abstrato. Ou talvez de uma leve figuração. De longe, ainda se veem formas humanas, capturadas pela magia da cor de Prior. Um grande artista.


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