São Paulo, domingo, 15 de maio de 2011

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IMAGINAÇÃO
PROSA, POESIA E TRADUÇÃO

Senhor Cogito e a longevidade

SOBRE O TEXTOCentral na poesia polonesa do pós-Guerra, Zbigniew Herbert (1924-98) fez do Senhor Cogito, protagonista do livro de poemas homônimo (1974), seu alter ego. Sua poética e seus ensaios são marcados por um moralismo irônico e pelas conexões entre a Antiguidade clássica e a literatura, a filosofia e a arte modernas.

ZBIGNIEW HERBERT
tradução CARLITO AZEVEDO e OLGA KEMPINSKA
1
Senhor Cogito está de parabéns

ultrapassou o limite da vida de muitos outros animais

quando a abelha operária parte para o eterno descanso Cogito - um nenê desfrutava de ótima saúde

enquanto a morte cruel leva o camundongo ele passou vitorioso pela coqueluche descobriu a fala e o fogo

se dermos fé aos teólogos dos pássaros a alma das andorinhas parte voando ao paraíso depois de dez primaveras terrestres

com esta idade o jovem Cogito estudava com sorte instável na quarta série do colégio e as mulheres despertaram seu interesse

depois ganhou a segunda guerra mundial (uma duvidosa vitória) exatamente quando a cabra caminha para o Walhalla das cabras

fez coisas incríveis apesar de alguns ditadores cruzou o Rubicão do meio-século ensanguentado mas vivo

superou a carpa o aligátor o caranguejo

agora se encontra entre o tempo último da enguia e o tempo último do elefante

aqui para ser sincero terminam as ambições do Senhor Cogito

2
um ataúde junto com elefante não o assusta nada

não deseja ser longevo como o papagaio ou o Hippoglasus vulgaris

ou como uma águia celeste tartaruga encouraçada cisne tolo

Senhor Cogito queria até o fim cantar a beleza do efêmero

por isso não toma Gelée Royale não bebe elixires não faz pacto com Mefisto

com o cuidado de bom jardineiro cultiva as rugas no rosto

humilde acolhe o cálcio que se acumula nas veias

fica contente com os vazios da memória era torturado pela memória

a imortalidade desde a infância colocava-o no estado de tremendum invejar aos deuses o quê?

- correntes de ar celestes - administração inepta - luxúria insaciada - enormes bocejos


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