São Paulo, domingo, 16 de janeiro de 2011

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DIÁRIO DE BERLIM
O MAPA DA CULTURA

Polêmicas literárias

Pornografia, doença, música e espionagem

SILVIA BITTENCOURT

Voltado para a história e a cultura do movimento homossexual, o Museu Gay de Berlim não podia ter encontrado melhor representante para abrir as comemorações dos seus 25 anos de existência. Até março, uma grande exposição lembra os 100 anos do nascimento de Jean Genet (1910-86), um dos mais controversos escritores franceses.
Genet nasceu em dezembro de 1910, em Paris. Foi detido várias vezes por uma série de delitos, entre eles furtos e deserção. Sua obra tem um forte cunho autobiográfico, girando em torno de crimes, prostituição e homossexualidade.
A exposição destaca um de seus livros mais famosos, "Querelle de Brest" (1947), filmado posteriormente pelo alemão Rainer Werner Fassbinder (1945-82). "Trata-se do auge da literatura gay, até hoje não superado", afirma o curador Werner Theis.
O evento mostra a recepção da obra de Genet na Alemanha ("Querelle" foi considerado pornográfico e proibido aqui) e o engajamento político do autor, também polêmico. O francês simpatizava, por exemplo, com o antigo grupo terrorista alemão RAF, a Fração Exército Vermelho.

MEUS ÚLTIMOS DIAS
O blog do escritor e ilustrador berlinense Wolfgang Herrndorf, 45, tornou-se um diário da doença que lhe foi diagnosticada no ano passado. Conhecido por seus livros juvenis -adorados também pelos adultos-, Herrndorf sofre de um tumor maligno no cérebro e não esconde que tem seus dias contados (em alemão).
Herrndorf escreveu no ano passado, entre uma sessão e outra de rádio e quimioterapia, o romance "Tschick", recém-lançado pela Rowohlt. O livro lembra um "roadmovie", pois conta a viagem pelo leste da Alemanha de dois adolescentes (o apelido de um deles é "Tschick") dentro de um Lada roubado. A obra foi considerada pelo semanário "Die Zeit" um dos melhores livros de 2010.
Não é a primeira vez que os alemães se confrontam com a doença de um intelectual. Durante dois anos, até morrer em agosto passado, o polêmico cineasta e diretor de teatro e ópera Christoph Schlingensief (1960-2010) encenou várias peças tematizando o câncer que carregava no pulmão. Conhecido por suas performances radicais, Schlingensief havia encenado, em 2007, "O Navio Fanstasma" de Richard Wagner (1813-83), em Manaus.

TRAIÇÃO LITERÁRIA
Alguns intelectuais alemães ainda estão juntando os cacos do último escândalo literário. Trata-se da revelação, feita no final do ano passado, de que o poeta e tradutor romeno-alemão Oskar Pastior (1927-2006) colaborou com a Securitate, o serviço secreto romeno, espionando colegas escritores no final dos anos 60, antes de fugir para o Ocidente.
Pastior era amigo da escritora e Prêmio Nobel Herta Mueller, também romeno-alemã. Ambos moravam em Berlim e trabalharam juntos para a elaboração do romance "Atemschaukel" ("Balanço da Respiração", publicado aqui em 2009), sobre a experiência vivida por Pastior num campo de internamento soviético, depois da Segunda Guerra Mundial.
Mueller tem falado de sua decepção frente às revelações sobre o amigo e afirmou que não teria escrito "Atemschaukel" se soubesse do envolvimento dele com o seviço secreto do ex-ditador Nicolae Ceaucescu. Ainda inédito no Brasil, o livro é considerado um dos mais importantes de sua obra.

O JAZZ É POP
O trompetista alemão Till Broenner, 39, acaba de lançar uma autobiografia diferente ("Talking Jazz"), feita a partir de conversas com o crítico Claudius Seidl.
Mais curiosas do que a carreira em si desse músico ainda jovem são as opiniões e visões que ele apresenta neste bate-papo. Broenner quer fazer do jazz o novo pop alemão. Defende a criação de uma academia de jazz em Berlim e mais programas de jazz no rádio e na televisão. Até participa do júri de um show de calouros para descobrir talentos.
O trompetista vem colaborando com o renascimento do jazz na Alemanha, que teve sua melhor época muitas décadas atrás. Gravou, aos 22 anos, seu primeiro álbum, "Generations of Jazz", que contou com a colaboração do contrabaixista americano Ray Brown (1926-2002). Em 2004, conseguiu outro feito: com "That Summer", pela primeira vez depois de mais de 20 anos um álbum de jazz aparecia entre os mais vendidos do país.
Broenner -que pode ser ouvido em tillbroenner.de- também ficou conhecido no Brasil, pois gravou aí o álbum "Rio" (2008), uma espécie de declaração de amor à bossa nova.


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