São Paulo, domingo, 18 de julho de 2010

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DIÁRIO DE TÓQUIO
O MAPA DA CULTURA

Pós-Kurosawa?
Kitano e os fogos de artifício

ANGELO ISHI NO DIA SEGUINTE à abertura da Copa do Mundo da África do Sul, quando só se falava nas chances da seleção "Samurai Blue" (desclassificada nas oitavas de final), estreava nos cinemas japoneses o 15º filme do diretor Takeshi Kitano, "Outrage" (Ultraje).
Como sempre acontece com os filmes dele, não houve nenhuma badalação especial na imprensa. Embora seja cultuado na Europa e nos EUA (e, por que não dizer, no Brasil também) como o grande nome do cinema contemporâneo japonês, ao lado do diretor de desenhos animados Hayao Miyazaki (de "A Viagem de Chihiro"), no âmbito doméstico os longas-metragens de Kitano ainda são tratados com certo desdém e indiferença. No Japão, Kitano continua sendo mais admirado não como um diretor consagrado internacionalmente, mas como o ator, humorista e apresentador de programas de variedades Beat Takeshi -ou, simplesmente, Takeshi.
No meio televisivo, há um consenso de que ter Beat Takeshi como apresentador é garantia de dois dígitos de audiência. Tive a sorte de participar, como debatedor, em dois deles: "TV Tackle", que discute política com humor e acaba de completar 21 anos de existência, e "Koko Ga Hen Dayo Nihonjin", que marcou época como o primeiro programa a abrir espaço no horário nobre para os estrangeiros apontarem o que há de "estranho" ("hen") no Japão.
Já no meio cinematográfico, o próprio Takeshi é o primeiro a declarar: "Meus filmes não dão lucro, são fracos de bilheteria. E a crítica faz malabarismos para tentar interpretá-los". Os japoneses levaram um susto quando Takeshi - aquele que fala uma besteira atrás da outra na telinha da TV- ganhou, em 1997, o Leão de Ouro no Festival de Veneza, com o filme "Hana-Bi- Fogos de Artifício". E muitos devem ter custado a entender por que o seu novo filme foi escolhido para concorrer na mostra competitiva do 63º Festival de Cannes, em maio. Afinal, trata-se de um "filme de Yakuza" (a máfia japonesa), que pende mais para o entretenimento do que para um filme "de arte". O roteiro poderia ser resumido assim: "Mafiosos ultrajam e matam indistintamente aliados e inimigos da maneira mais sádica e violenta possível".
Acontece que este não é um "filme de Yakuza" qualquer, igual a outros tantos que os japoneses já estão enjoados de ver. É -ou pretende ser- "o" filme de Yakuza mais violento da história do cinema japonês.
Violento, mas, ao mesmo tempo, cômico -marca registrada de Kitano. E a Office Kitano, sua produtora, acertou como nunca na maneira de vender o filme. Nos cartazes e comerciais de TV, estampou quatro ideogramas: "Zen-in Akunin" ("Todos Maus").
Os japoneses apreciam palavras compostas por quatro ideogramas. E a sonoridade, com a rima interna do "in", certamente ajudou a atiçar a curiosidade do público. O resultado é que, mesmo sendo proibido para menores de 15 anos, "Outrage" atraiu significativos 106 mil espectadores em apenas dois dias de exibição, entrando em quarto lugar no ranking de público daquela semana. Um mês depois, ainda ocupa um honroso sétimo lugar.
Neste ritmo, "Outrage" pode se transformar em uma exceção na carreira de Kitano. Apesar do sucesso no Japão, foi mal recebido em Cannes, invertendo o histórico do diretor. O filme também obteve a média mais baixa (0,9) na enquete que a revista "Screen" fez com jornalistas que deram notas para os 19 filmes em competição. No Japão, ao contrário, as críticas têm sido no mínimo generosas com a suposta "falta de conteúdo" do filme que incomodou o público de Cannes.
Só lamento que a mídia japonesa não tenha dado a devida ênfase a uma frase que ele soltou durante uma coletiva à imprensa japonesa concedida no hotel Martinez, após a exibição de gala em Cannes: "Se eu conseguir chegar a uns três ou quatro passos do que foi Kurosawa, ficarei honrado". Até onde sei, é a primeira vez que Takeshi chama para si a responsabilidade de suceder o trono de Kurosawa.

FOGOS DE ARTIFÍCIO Nada a ver com outro filme do Takeshi, mas esta é a época dos festivais de "hana-bi" (fogos de artifício). São dezenas pelo Japão, em julho e agosto. A graça desses festivais sempre foi a sua capacidade de atrair multidões, por terem entrada gratuita. Mas uma tendência do ano passado, que promete se repetir em 2010, é a venda de cadeiras numeradas. Uma reserva para o festival mais famoso do país, o do rio Sumida, em Tóquio, na noite do dia 31, custa 5.000 ienes (R$ 100).

KABUKI FORA DE GINZA O templo do teatro kabuki, o Kabukiza, no bairro de Ginza, em Tóquio, fechou para reforma. Até ser reinaugurado, num edifício ultramoderno, em 2013, fãs e turistas terão que procurar outras salas para ver espetáculos.
Uma boa opção no momento é o Akasaka ACT Theater, onde o carismático Kanzaburo Nakamura estrela peça cujo roteiro teve colaboração do cineasta Yoji Yamada (da série "É Triste Ser Homem"), até o dia 29.


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