São Paulo, domingo, 21 de agosto de 2011

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TRÉPLICA

A crítica e o vale-tudo

RESUMO
Paulo Roberto Pires responde a Nelson de Oliveira, que teve os critérios de sua antologia questionados na Ilustríssima de 7/8 e replicou em 14/8. Oliveira não teria sabido explicar seus parâmetros com clareza e procurou desqualificar as objeções que lhe foram feitas valendo-se de truculência e obviedades.


PAULO ROBERTO PIRES

NELSON DE OLIVEIRA diz que gastei 1.300 palavras para "inventar defeitos" da antologia "Geração Zero Zero" [Língua Geral, 408 págs., R$ 45] e que o óbvio desnível intelectual que apontei entre sua avaliação dos autores que escolheu e a da "Granta" dedicada aos "Os Melhores Jovens Escritores em Espanhol" [Alfaguara, 372 págs., R$ 43,90] constitui um "abismo imaginário". Na mesma batida, me chama de preguiçoso, irresponsável, apressado, colonizado.
Não contei quantas palavras como essas ele usou em sua "réplica", mas é certo que nenhuma delas forma uma resposta efetiva às minhas críticas. Sua opção, truculenta e óbvia, é me desqualificar como interlocutor e evitar que se discuta a frouxidão de seus critérios como antologista, o único objeto de meu texto.

AUTOCENTRADO Diz Oliveira que o Brasil tem alergia ao debate. Ele sabe muito bem do que está falando, pois assume como mérito de sua antologia o simples fato de ela existir ou, em sua formulação, "a iniciativa e a precedência" de seu trabalho. Além de autocentrado, Oliveira é perverso em seu tró-ló-ló "gente que faz": é aquela velha história de que num-país-com-tantas-dificuldades-é-uma-vitória-já-ter-realizado-algo.
Uma lógica que torna a crítica, qualquer crítica, uma ofensa pessoal ou uma falta moral: fazer reparos à sua antologia seria descartá-la completamente e, por tabela, estar contra "a literatura brasileira contemporânea".
O raciocínio do autoelogio é ainda edulcorado pela balela populista de que a "Zero Zero" legitima os autores por ela reunidos "fora do mecanismo complexo de prêmios, escolha dos editores e resenhas". Como não fosse Oliveira parte ativa do tal "mecanismo" na condição de diuturno resenhista dos principais veículos do país, escritor premiado aqui e no exterior, doutor em letras e autor publicado há tempos por editoras que de alternativas não têm nada. E só com a autoridade "legitimada", diga-se, pode ele antologizar à vontade, levando mais água para seu moinho cada vez que aponta um "transgressor" ou um "bizarro".

DEBILIDADE Afirma Nelson de Oliveira que decidi me concentrar em sua introdução, aquela que expõe a debilidade de seus princípios de antologista, por "preguiça". Como um bom resenhista, ensina ele, deveria eu "ler não apenas os contos reunidos mas toda a obra dos autores reunidos".
Como os 21 autores publicaram pelo menos duas obras cada, uma resenha "profunda" deveria dar conta de mais de 40 títulos. Isso, é claro, além dos contos inéditos sobre os quais não escrevi, mas que li com atenção suficiente para observar que pelo menos três deles não estão à altura do reconhecido talento de seus autores. Tema bom para longo artigo acadêmico e péssimo para as páginas de jornal.
Oliveira, portanto, tergiversa no limite da má-fé porque quer de todo jeito que eu cite autores, "dando nome aos bois, aos patos" com um objetivo muito preciso: "fulanizar" o debate. Esse filme eu já vi: abre-se uma grita imediata de incluídos e excluídos, e o antologista sai de cena discretamente, deixando de lado o ponto fundamental de minha crítica: a fragilidade dos critérios que adotou para escalar a "Geração Zero Zero". Ao contrário do que diz, citei sobejamente o único autor que gostaria de discutir naquele texto: ele, em sua disposição de antologista.

ESTULTICE O antologista também quer me ensinar a argumentar. Explica ele que uma antologia de brasileiros só pode ser comparada com outra antologia de brasileiros, como se a "Zero Zero" e a "Granta" não fossem iniciativas análogas, buscando identificar talentos conectados de alguma forma em um grupo livremente delimitado por seus organizadores. Mas esta estultice também não é ingênua: ele quer provar que prefiro o estrangeiro pelo estrangeiro, que sofro do complexo de vira-latas rodriguiano, enaltecendo o que "vem de fora".
Nelson de Oliveira sabe muito bem com quem está falando e sabe que a etiqueta de colonizado, além de anacrônica e intelectualmente indefensável nos anos zero-zero que pretende entender, não cola nem nunca colou em mim. Mas finge que não sabe sobre quem escrevi, quem editei e o que já discutimos cordialmente em pelo menos um debate público. E supre esta oportuna amnésia com uma saraivada de desqualificações.
Não é a geografia que faz com que a "Granta" seja mais interessante do que a "Zero Zero": naquela, há elementos concretos para que se arrisquem interpretações dos autores reunidos. É exercício menos espetaculoso e mais inteligente do que lascar um precário denominador comum, o "bizarro", categoria tão invertebrada que não aponta os caminhos dos novatos ali escalados nem acrescenta às leituras dos já bem assentados.
Propus uma conversa, Nelson de Oliveira pediu um vale-tudo. Mas quem nasceu para "Telecatch Montilla" não chega ao UFC. Sugiro então que, bem brasileiro, esforçado, cheio de iniciativas e precedências, profissionalize a carreira de brigão com o codinome Nelsinho Zero Zero. Já sai com lugar garantido em pelo menos duas antologias: a dos antologistas sem bússola nem biruta e a dos antologistas que dizem discutir com Adorno enquanto navegam na Wikipédia.

Nelson de Oliveira tergiversa no limite da má-fé porque quer de todo jeito que eu cite autores, com um objetivo muito preciso: "fulanizar" o debate


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