São Paulo, domingo, 27 de fevereiro de 2011

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DIÁRIO DE TÓQUIO
O MAPA DA CULTURA

Eles dizem "não"

Por mais liberdade na ficção e no mundo real

ANGELO ISHI

LIVROS QUE INSPIRAM filmes existem às pencas. O inverso, não necessariamente. Por isso, causou impacto o lançamento de um romance que se completará em 50 fascículos quinzenais. Escrito por Yoji Yamada, também o diretor da série mais longeva do cinema mundial: "É Triste Ser Homem" ("Otokowa Tsuraiyo").
Yamada dirigiu 48 episódios de "É Triste...", estrelados pelo hilariante Kiyoshi Atsumi. O ator interpreta Tora-san, um caixeiro-viajante que preza a liberdade a qualquer custo e nunca se acerta no trabalho nem no amor. A série só foi interrompida com a morte de Atsumi, em 1996.
Yamada, agora, resolveu imaginar como teria sido a juventude desse personagem tão amado. Os fascículos, editados pela Kodansha, têm o título de "Otokowa Tsuraiyo - Tora-san DVD Magazine" e vêm acompanhados de um DVD com os filmes da série e entrevistas com o diretor e os atores. Yamada acenou com a possibilidade de transformar o seu próprio romance em filme. Para deleite dos fãs de Tora-san e do bom cinema.

LARANJA NIPÔNICA
Contrastando com a unanimidade em torno da incursão literária de Yamada, uma adaptação para o teatro do livro "Laranja Mecânica", imortalizado por Stanley Kubrick no filme homônimo, está dividindo tanto a crítica como o público. Muitos acharam que a intensidade dramática da peça não chega aos pés da obra-prima de Kubrick. Mas o dramaturgo Masahiko Kawahara responde que não se inspirou no filme, mas no livro de Anthony Burgess.
O argumento soa falso porque a caracterização do personagem Alex, interpretado por Shun Oguri, é idêntica à de Malcolm McDowell no filme (confira em kyodotokai.co.jp/events/detail/243).
De todo modo, a presença de Oguri garantiu plateias lotadas pelo público feminino. E os defensores dizem que a peça nos convida a repensar um tema atualíssimo: o controle do indivíduo pelo Estado. A montagem já passou por Tóquio e Osaka, mas ainda pode ser conferida até hoje nas províncias de Fukuoka (no Kitakyushu Geijutsu Gekijo) e Aichi (no Kariya Sogo Bunka Center).

MORALIZAR MANGÁS E ANIMÊS
Há quem aponte semelhanças entre o Estado opressor retratado em "Laranja Mecânica" e a obsessão do prefeito de Tóquio Shintaro Ishihara em controlar os corações e mentes dos "toquiotas". Autor do best-seller "O Japão que Sabe Dizer Não", Ishihara é famoso por sua postura autoritária e declarações moralistas.
No momento, ele trava uma guerra com um setor vital da indústria cultural no país: o de mangás (quadrinhos) e animês (desenhos animados).
Ishihara submeteu -e nossa Assembleia Metropolitana aprovou- uma lei que proíbe a venda para os menores de mangás e animês que "exaltem ou retratem indevidamente" o estupro, o incesto e outros crimes sexuais. O objetivo seria proteger as crianças dos materiais obscenos.
A lei desencadeou protestos entre os autores e empresários do setor, preocupados com um possível efeito dominó de autocensura e limitações à liberdade de expressão. Grandes editoras anunciaram boicote à Tokyo International Anime Fair, marcada para março -e que tem o governo municipal como co-organizador.

O QUE É QUE O VIZINHO TEM?
A popularidade de Shintaro Ishihara continua tão em alta, a ponto de se cogitar que ele deverá concorrer neste ano a seu quarto mandato. O que uns eleitores abominam como autoritarismo é elogiado como pulso firme por outros.
Talvez seja essa a mensagem velada de "China Impact", de Satoshi Shibata, lançado pela Chuo Koron Shinsha. O autor é um diplomata que está servindo em Pequim e era funcionário do Ministério das Finanças.
Shibata escreve que a China se recuperou após a crise econômica global de 2008 graças à rapidez com que o governo decretou uma redução nos impostos.
Agilidade impossível no Japão, onde seria preciso obter aprovação no Parlamento de uma reforma na lei fiscal. Ao comentar o livro, o editorialista do diário "Yomiuri" resume o dilema japonês: "Pode-se criticá-los como antidemocráticos, mas o fato é que assim funciona esse país com o qual temos que competir."


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