São Paulo, quarta-feira, 05 de maio de 2004

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"Rede ou missa criam encontros"

DA REPORTAGEM LOCAL

Relacionamentos virtuais são o motivo que levam especialistas a se debruçarem sobre o assunto resultando em estudos e livros.
No ano passado, a escritora Alice Sampaio lançou o livro "Quando o Real Cai na Virtual" (ed. Record), fruto de um estudo de dois anos sobre namoros via internet.
Também em 2003, Luciene Setta apresentou tese de mestrado em psicologia social intitulada "De Onde Tecl@s - Estudos de Sites de Relacionamentos Amorosos" na UERJ. A pesquisadora entrevistou, por e-mail, aproximadamente 500 homens e mulheres entre 35 e 45 anos cadastrados em sites de encontros.
"Todos reclamavam que não haviam encontrado sua alma gêmea", diz. Setta criou o "perfil serial killer amoroso". "É uma pessoa que de segunda a segunda pode conhecer uma pessoa diferente e não querer nada."
Setta opina que o discurso é igual para homens e mulheres. Segundo a pesquisadora, esses internautas estão em busca de alguém que não existe.
Na sua opinião, existe uma idiossincrasia: "O homem vê a foto de uma mulher, troca telefone, ouve a voz da interlocutora e gosta. Essa mulher, porém, não comentou que tem uma perna mais curta e que fuma demais".
Quando a relação acontece, diz, a realidade é então revelada. Segundo Setta, as pessoas estão cada vez mais solitárias. Ela atribui o crescimento de sites de relacionamentos amorosos a um maior distanciamento entre as pessoas. "A solidão é uma doença da pós-modernidade."
Matilde Melo, doutora em sociologia e professora do Departamento de Sociologia da PUC-SP, discorda. Para ela, a questão da solidão urbana não surge nas últimas décadas. "A plenitude da vida moderna se amplia no momento de afirmação do modo de vida moderno, nos séculos 18 e 19, e entra em crise no século 20", diz. Melo cita o filósofo alemão Georg Simmel, que, no início do século 20, explicita a questão do segredo. "Em "Metrópole e a Vida Mental", Simmel traz a idéia da introjeção do eu."
Na opinião de Melo, os sites de encontro não são uma forma de sair do anonimato. "O indivíduo usa um pseudônimo, mascara suas informações, esconde-se mais do que na própria multidão." A socióloga questiona se um encontro fora da rede é suficiente para explicitar um segredo.
Para Melo, a violência não pode ser associada à solidão. "A violência é um fato, mas, muito mais do que ela, existe um fetichismo da violência e do medo." Melo não acredita que esses sites sejam um mecanismo de convívio. "Eventualmente, eles podem propiciar encontros, assim como a missa ou a fila do metrô." (MARIJÔ ZILVETI)


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