São Paulo, quarta-feira, 19 de março de 2008

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comportamento

Jovens usam celular para criar mundo particular

ENTRE DUAS TELINHAS Conversas por mensagem de texto excluem os pais e reafirmam privacidade proporcionada pelos aparelhos tecnológicos pessoais

DO "NEW YORK TIMES"

No cargo de presidente da editora de livros e revistas para crianças da Walt Disney Company, Russell Hampton conhece mais ou menos bem o universo dos adolescentes. Ou pensou que conhecesse até que levou sua filha de 14 anos, Katie, e duas amigas dela para verem uma peça de teatro no ano passado, em Los Angeles. No carro, a caminho, as meninas pararam de conversar.
Quando Hampton olhou pelo retrovisor, viu a filha enviando uma mensagem de texto pelo celular. "Katie, você não deveria ficar enviando mensagens. Suas amigas estão do seu lado. Isso é falta de educação", disse à filha. Katie revirou os olhos. "Mas, papai, nós estamos trocando mensagens", afirmou.
"Eu não quero que você escute o que estamos dizendo." Essa é uma cena que se tornou comum hoje. As crianças apelam com freqüência cada vez maior aos dispositivos pessoais para se definirem e criarem círculos de convívio distantes de suas famílias.
Savannah Pence, 15, diz que seu pai, John, não deixou que ela e seu irmão Alex, 19, tivessem um celular antes de chegarem ao ensino médio. John Pence, dono de um restaurante de Portland, Oregon, ficou inseguro sobre como se relacionar com a filha. "Eu não sabia de que forma deveria me comunicar com ela", disse Pence. Então, fez um curso rápido sobre as mensagens com Savannah.
Pence diz que teve de aprender a enviá-las porque a filha não respondia às ligações dele. Savannah conta que envia mensagens de texto para seu pai ao menos duas ou três vezes por dia. "Eu não posso perguntar nada porque ele é muito devagar", disse.

Mudança social
As inovações tecnológicas, claro, sempre provocaram amplas mudanças sociais. Os automóveis acabaram por inaugurar uma era na qual os adolescentes conseguiam ter encontros amorosos longe dos olhares vigilantes dos responsáveis por eles. E os computadores, com a internet, disponibilizaram, até para crianças bem jovens, vidas virtuais separadas de seus pais e irmãos.
Analistas de negócios e pesquisadores prevêem que a popularidade dos celulares junto à mobilidade e à intimidade que oferecem vai aprofundar e acelerar essas tendências. Em 2010, 81% dos norte-americanos entre 5 e 24 anos terá seu próprio celular, contra os 51% de 2005, revelou a IDC, que acompanha mercados.
Psicólogos sociais como Sherry Turkle, professora do MIT (Instituto de Tecnologia de Massachusetts), que estudou o impacto social dos portáteis de comunicação, diz ser provável que essas tendências continuem. "Para as crianças, ele [o celular] se transformou em um objeto que molda a identidade delas e altera sua psique", disse Turkle.
Vendedores e fabricantes de celulares transbordam de alegria diante da possibilidade de superar a mais nova barreira de gerações. A IDC diz que o faturamento com serviços e produtos para os jovens e os pais deles deve aumentar de US$ 21 bilhões em 2005 para US$ 29 bilhões em 2010.
Até agora, o fato de os pais de hoje conseguirem encontrar seus filhos quando bem entendem tem se traduzido para as famílias em mais vantagens do que desvantagens. Hampton, que é divorciado, afirmou ser fácil falar com Katie, mesmo os dois morando em regiões com fusos horários diferentes. E universitários, como Ben Blanton, podem enviar uma mensagem de texto para os pais quando desejam, pedindo algo ou só para dar um alô. "A mensagem de texto fica entre ligar e mandar um e-mail", disse Blanton.
No entanto, como qualquer mudança cultural envolvendo pais e filhos -o nascimento do rock'n'roll ou a revolução sexual de 1960-, vários abismos se fazem presentes. A geração "baby boomer", que décadas atrás reclamava de não poder confiar em seus pais conservadores, agora se vê por vezes criando filhos que, devido, à internet e aos celulares, também consideram a mamãe e o papai fora de órbita. Os jovens estão mais conectados do que nunca -e muito mais independentes.


Tradução de RODRIGO CAMPOS CASTRO


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