|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
comportamento
ENTREVISTA
SCOTT FAHLMAN
Basicamente, sou uma pessoa feliz
Inventor dos sinais gráficos que evidenciam emoções dos internautas critica emoticons animados
DIÓGENES MUNIZ
EDITOR DE MULTIMÍDIA DA FOLHA
ONLINE
No dia 19 de setembro 1982, o
cientista norte-americano
Scott Fahlman, então com 34
anos, acordou tarde. Já passava
das 11h em Pittsburgh, Pensilvânia, quando ele pulou da cama. Como de costume, a primeira coisa que fez foi se debruçar sobre o computador.
Exatamente às 11h44, disparou
um e-mail para um fórum on-line na Universidade Carnegie
Mellon. Nascia ali o primeiro
emoticon da rede.
"De vários ângulos, aquela foi
uma das coisas mais desinteressantes que já fiz na vida", diz
Fahlman, hoje com 62 anos, em
entrevista à Folha por e-mail
de seu escritório na Carnegie
Mellon.
Seu recado foi curto e objetivo. Teve pouco menos de 170
caracteres. Cansado de mal-entendidos surgidos na troca de
mensagens entre pesquisadores e estudantes, que misturavam assuntos sérios com recados humorísticos quase nunca
interpretados de forma bem-humorada, Fahlman sugeriu:
quando estivessem contando
piadas, colocariam :-). Caso enveredassem para temas importantes, a carta eletrônica viria
com um compulsório :-(.
Seu e-mail é o mais antigo registro do uso de emoticon em
uma rede -mais especificamente na Arpanet, embrião da
internet. Para muitos, é a própria invenção da carinha, embora o pesquisador admita haver outras tentativas antigas de
montar uma expressão facial
por meio de caracteres.
Alguns meses depois da
mensagem pioneira, as carinhas de Falhman tinham se espalhado por outros fóruns.
Conforme seu e-mail circulava
pelos EUA e em outros países,
novos emoticons iam surgindo.
De óculos escuros, boca aberta,
com boné e até uma versão do
Papai Noel.
Fahlman, um prestigiado estudioso de inteligência artificial, diz nunca ter recebido um
centavo por sua criação. Mas se
mostra orgulhoso da invenção
ao rechaçar os emoticons animados. Ele também relativiza a
ideia de que o uso desse tipo de
muleta verbal torne as pessoas
mais preguiçosas na hora de articular ideias.
"Nem todos têm a habilidade
literária de [William] Shakespeare ou [Mark] Twain, e mesmo os gênios têm seus dias
ruins", diz, em sua página na
internet. Além disso, "se Shakespeare estivesse fazendo
uma breve nota de reclamação
sobre a falta de vagas de estacionamento, ele provavelmente ia produzir a mesma prosa
desleixada que nós".
FOLHA - O senhor já conseguiu algum dinheiro com sua invenção?
SCOTT FAHLMAN - Eu nunca tirei
dinheiro disso e nem acho que
seria possível. Se as pessoas
precisassem ter uma permissão
ou pagar royalties para usar os
símbolos :-) e :-(, elas simplesmente procurariam outra coisa
para usar no lugar. Então, para
o bem ou para o mal, esse tem
sido o meu pequeno presente
para o mundo. Uma ou duas
mesas de palestras entraram
em contato comigo, mas estou
ocupado demais com as pesquisas para gastar tempo dando
palestra por dinheiro.
De qualquer forma, não tenho muito a dizer sobre os dez
minutos da minha vida em que
elaborei o :-) e coloquei numa
mensagem. Vista sob vários ângulos, aquela foi uma das coisas
mais desinteressantes que já fiz
na vida.
FOLHA - Que tipo de trabalho o senhor tinha antes de sugerir o uso de
emoticons em um grupo de e-mails?
FAHLMAN - Eu tinha o mesmo
emprego que tenho hoje: sou
professor de pesquisa na Universidade Carnegie Mellon em
Pittsburgh, trabalhando com
inteligência artificial -sobretudo em tentar reproduzir o conhecimento do senso comum
em um computador e fazê-lo
entender a linguagem natural.
Estamos progredindo, mas é
uma equação muito difícil.
FOLHA - O que o senhor pensa sobre os emoticons animados, usados
sobretudo em programas de mensagens instantâneas?
FAHLMAN - Não gosto daqueles
círculos amarelos e dos emoticons animados. São feios, meio
que estragam toda a diversão.
É mais desafiador tentar descobrir maneiras de expressar as
emoções humanas usando só o
conjunto padrão de caracteres
do alfabeto romano.
Suponho também que eu prefira esse tipo de emoticon porque desempenhei um papel na
sua invenção.
FOLHA - Essas carinhas tornam as
pessoas mais preguiçosas na hora
de se expressarem?
FAHLMAN - Elas economizam
esforço, se você quiser indicar
explicitamente que algo é uma
brincadeira.
O que é preguiça para alguns
é eficiência para outros.
FOLHA - Qual seu emoticon favo-
rito?
FAHLMAN - Eu recebo crédito
pelos emoticons :-) e :-(.
Outro que as pessoas usam
frequentemente e que eu gostaria de ter inventado é a carinha
piscando ;-). E talvez o emoticon que grita :-O.
FOLHA - O senhor se considera
uma pessoa mais :-)
ou :-(?
FAHLMAN - Bom, há algumas
coisas ruins no mundo, outras
boas e há ainda as coisas neutras. Cabe a cada indivíduo focar no :-( ou no :-).
Tive dias ruins, algumas vezes sem qualquer motivo óbvio,
mas, felizmente, me recuperei
rapidamente. Tenho tido muita
sorte na vida. Basicamente, sou
uma pessoa feliz.
Texto Anterior: Corra e dirija seu time Próximo Texto: Especialistas dão vida longa às carinhas Índice
|