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Universo virtual começa a ser usado para experiências de urbanismo
Encontro de dois mundos
LEILA SUWWAN
DE NOVA YORK
Existe um terreno baldio de 28
mil m2 próximo ao aeroporto de
LaGuardia, em Queens, em Nova
York. O espaço não vira um belo
parque urbano por falta de mobilização comunitária e de verbas
para elaborar um pré-projeto. Está abandonado há décadas.
Porém, num mundo virtual distante dali, o projetista Hiro Pendragon, sujeito ruivo de terno e
com duas espadas cruzadas nas
costas, trabalha na construção de
uma maquete digital em três dimensões daquela vizinhança. Voa
de um lado para o outro e faz surgir quarteirões, além de um punhado de outras figuras bizarras.
Ficção? Não. Trata-se da mais
nova sinergia entre governança
pública, videogame e internet. Se
funcionar, pode revolucionar a
elaboração de políticas públicas e
de sistemas de consulta popular.
Os mundos virtuais existem há
anos na internet, em misturas que
variam de jogos a simulações da
vida real, com interação de milhões de usuários. Conhecidos como MMORPGs -sigla em inglês
para RPG on-line massivo de
multijogadores-, muitos têm
uma economia própria, com intercâmbio de bens e de serviços, e
contam com moeda que pode ser
convertida para dólares.
Segundo o economista Edward
Castronova, até 20 milhões de
pessoas, com média de idade de
30 anos, participam desses jogos.
"Não é mais tão nítido quais aspectos desses mundos sintéticos
são um jogo. São pessoas convivendo, conversando e interagindo, sem competição nem fim",
diz Castronova, que estuda fenômenos sociais e econômicos decorrentes desse contexto.
Vida real, mundo virtual
Foi dessa premissa que surgiu,
na Universidade de Nova York, a
idéia de financiar um projeto de
pesquisa cívica utilizando um
mundo virtual como plataforma.
Foi escolhido o Second Life, mundo com acesso gratuito, com cerca de 85 mil habitantes e um mercado que movimenta, aproximadamente, US$ 3 milhões por mês.
Um centro de pesquisa ligado à
Faculdade de Direito comprou,
por US$ 1.250, uma ilha dentro do
ciberespaço. Batizada de Ilha da
Democracia, é uma espécie de incubadora de experimentos, como
o projeto do parque em Queens e
uma simulação da Suprema Corte norte-americana.
O mundo é gerido pela Linden
Lab, na Califórnia, que cobra
mensalidade apenas de quem
quer ser proprietário de terra.
Uma ilha exige um servidor próprio, por exemplo. Uma curiosidade: os jogadores detêm direitos
autorais sobre suas criações.
"O Second Life não é um game,
é uma plataforma, uma tecnologia nova de comunicação. Temos
de tudo lá dentro: drama, conflito, encontros, negócios e inovação", explica Jerry Paffendorf, gerente do projeto da ilha.
No jargão, a maquete virtual do
parque é uma Wiki em 3D -referência à Wikipedia, enciclopédia
on-line compilada com diversas
colaborações via internet. A maquete é apenas um esqueleto. Cada participante poderá personalizar o parque com suas sugestões e
criar vários desenhos, que serão
guardados na base de dados.
"Os governos locais de hoje têm
uma enorme dificuldade em promover engajamento popular, de
maneira que não há resposta das
comunidades. Com isso, a baixo
custo, podemos resolver as duas
questões", disse Paffendorf.
"Queremos analisar formas de
autogovernança. Poderemos testar produtos novos", completou.
Paffendorf convidou a Folha
para prosseguir a reportagem dentro do mundo virtual. Numa mistura inusitada de realidade e de fantasia,
ele coordena os trabalhos na Ilha
da Democracia por meio do personagem Snoopybrown Zamboni
-jovem loiro de calça camuflada
e camiseta do Google.
Na experiência, a reportagem
foi resgatada do setor de boas-vindas -espécie de asilo para
personagens novatos que ainda
estão modelando a própria aparência e arriscando conversas tímidas- pelos envolvidos no projeto do parque em Queens.
Na Ilha da Democracia, vários
personagens extravagantes assistiam, por meio de uma tela no cenário, a um vídeo da conferência
da Universidade de Nova York
sobre mundos virtuais.
Experiências como a do Second
Life têm se tornado um novo nicho de pesquisa acadêmica, voltada para vínculos sociais, economia e políticas públicas. Porém,
ainda é difícil avaliar se essas plataformas poderão se tornar a consultoria do futuro, especialmente
devido ao desvio de comportamento gerado pelas identidades
virtuais, que habitam mundos
nos quais tudo pode acontecer.
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