São Paulo, quarta-feira, 28 de dezembro de 2005

Próximo Texto | Índice

Universo virtual começa a ser usado para experiências de urbanismo

Encontro de dois mundos

LEILA SUWWAN
DE NOVA YORK

Existe um terreno baldio de 28 mil m2 próximo ao aeroporto de LaGuardia, em Queens, em Nova York. O espaço não vira um belo parque urbano por falta de mobilização comunitária e de verbas para elaborar um pré-projeto. Está abandonado há décadas.
Porém, num mundo virtual distante dali, o projetista Hiro Pendragon, sujeito ruivo de terno e com duas espadas cruzadas nas costas, trabalha na construção de uma maquete digital em três dimensões daquela vizinhança. Voa de um lado para o outro e faz surgir quarteirões, além de um punhado de outras figuras bizarras.
Ficção? Não. Trata-se da mais nova sinergia entre governança pública, videogame e internet. Se funcionar, pode revolucionar a elaboração de políticas públicas e de sistemas de consulta popular.
Os mundos virtuais existem há anos na internet, em misturas que variam de jogos a simulações da vida real, com interação de milhões de usuários. Conhecidos como MMORPGs -sigla em inglês para RPG on-line massivo de multijogadores-, muitos têm uma economia própria, com intercâmbio de bens e de serviços, e contam com moeda que pode ser convertida para dólares.
Segundo o economista Edward Castronova, até 20 milhões de pessoas, com média de idade de 30 anos, participam desses jogos. "Não é mais tão nítido quais aspectos desses mundos sintéticos são um jogo. São pessoas convivendo, conversando e interagindo, sem competição nem fim", diz Castronova, que estuda fenômenos sociais e econômicos decorrentes desse contexto.

Vida real, mundo virtual
Foi dessa premissa que surgiu, na Universidade de Nova York, a idéia de financiar um projeto de pesquisa cívica utilizando um mundo virtual como plataforma. Foi escolhido o Second Life, mundo com acesso gratuito, com cerca de 85 mil habitantes e um mercado que movimenta, aproximadamente, US$ 3 milhões por mês.
Um centro de pesquisa ligado à Faculdade de Direito comprou, por US$ 1.250, uma ilha dentro do ciberespaço. Batizada de Ilha da Democracia, é uma espécie de incubadora de experimentos, como o projeto do parque em Queens e uma simulação da Suprema Corte norte-americana.
O mundo é gerido pela Linden Lab, na Califórnia, que cobra mensalidade apenas de quem quer ser proprietário de terra. Uma ilha exige um servidor próprio, por exemplo. Uma curiosidade: os jogadores detêm direitos autorais sobre suas criações.
"O Second Life não é um game, é uma plataforma, uma tecnologia nova de comunicação. Temos de tudo lá dentro: drama, conflito, encontros, negócios e inovação", explica Jerry Paffendorf, gerente do projeto da ilha.
No jargão, a maquete virtual do parque é uma Wiki em 3D -referência à Wikipedia, enciclopédia on-line compilada com diversas colaborações via internet. A maquete é apenas um esqueleto. Cada participante poderá personalizar o parque com suas sugestões e criar vários desenhos, que serão guardados na base de dados.
"Os governos locais de hoje têm uma enorme dificuldade em promover engajamento popular, de maneira que não há resposta das comunidades. Com isso, a baixo custo, podemos resolver as duas questões", disse Paffendorf. "Queremos analisar formas de autogovernança. Poderemos testar produtos novos", completou.
Paffendorf convidou a Folha para prosseguir a reportagem dentro do mundo virtual. Numa mistura inusitada de realidade e de fantasia, ele coordena os trabalhos na Ilha da Democracia por meio do personagem Snoopybrown Zamboni -jovem loiro de calça camuflada e camiseta do Google.
Na experiência, a reportagem foi resgatada do setor de boas-vindas -espécie de asilo para personagens novatos que ainda estão modelando a própria aparência e arriscando conversas tímidas- pelos envolvidos no projeto do parque em Queens.
Na Ilha da Democracia, vários personagens extravagantes assistiam, por meio de uma tela no cenário, a um vídeo da conferência da Universidade de Nova York sobre mundos virtuais.
Experiências como a do Second Life têm se tornado um novo nicho de pesquisa acadêmica, voltada para vínculos sociais, economia e políticas públicas. Porém, ainda é difícil avaliar se essas plataformas poderão se tornar a consultoria do futuro, especialmente devido ao desvio de comportamento gerado pelas identidades virtuais, que habitam mundos nos quais tudo pode acontecer.


Próximo Texto: Personalidade virtual mergulha em âmbito paralelo
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.