São Paulo, Quarta-feira, 29 de Dezembro de 1999


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DIÁLOGO COM NEGROPONTE

Previsões para o futuro

A partir de 15 de janeiro, minha coluna passará a ser ocupada por Esther Dyson, uma inovadora e uma das vozes mais importantes na evolução da era digital. Vocês talvez a conheçam como editora responsável por "Release 1.0", um boletim informativo muito influente, e como autora do livro "Release 2.0: A Nova Sociedade Digital". Gostaria de acrescentar, em plano mais pessoal, que se trata de uma colega muito talentosa e que lhe desejo toda a sorte do mundo.
Foi um enorme privilégio ver todas essas questões de todo o mundo. E tentar responder a elas decerto me ensinou alguma coisa sobre humildade.
Mas há sempre um momento de parar -algo que se deve fazer por vontade própria, quando se está por cima, e não em queda. De fato, acredito que o silêncio é a mais forte das vozes. Parar também é uma maneira de reconhecer quão pouco eu sei e quanto trabalho ainda há por fazer -antes que eu conquiste de novo o direito de falar, falar, falar.
Para esta última coluna, portanto, tomei a liberdade de fazer as perguntas eu mesmo -e de tentar oferecer algumas respostas ou, se preferirem, algumas respostas bastante imperfeitas.

Pergunta - Onde haverá mais computação na minha vida cotidiana no futuro?
Resposta -
No futuro, a maior parte dos computadores estará invisível, escondidos em objetos cotidianos comuns. Hoje temos a imagem de um laptop, ou um computador pessoal -uma caixa. Dedicamos atenção muito estreita a ele; nós o ligamos e o desligamos, e ele executa programas complexos para finalidades especiais.
Em contraste, os computadores do futuro terão natureza mais molecular e estarão entrelaçados (literal e metaforicamente) em tecidos e incorporados a pequenos objetos. Estarão sempre ligados e se comunicando uns com os outros, para formar uma sociedade de máquinas.
Nesse tipo de grupo, a inteligência será um comportamento coletivo, mais parecida a uma colônia do que a uma caixa preta isolada.
E os objetos conectados uns aos outros e recebendo sua inteligência da net podem surpreender. De fato, em pouco tempo, bonecas Barbie -como muitos outros brinquedos- poderão se comunicar umas com as outras via Internet.

Pergunta - É evidente que há mais pessoas conectadas à Internet do que os especialistas dizem. Por que as estimativas de ciberuso são tão baixas em termos de número de pessoas?
Resposta -
Hoje em dia, muitos especialistas em previsões dizem que, caso façam uma previsão errada, é porque ela é conservadora por natureza, e que isso é melhor do que aparentar ter inflado os números.
Eles podem estar envolvidos na preparação de relatórios corporativos. Ou oferecer citações a jornalistas que precisam de idéias sobre as tendências na indústria de computadores e estimativas quanto a uso futuro. Dependendo da questão, profecias podem ser complicadas.
Mas eu concordo que isso não explica totalmente a distância entre a ciberrealidade e as ciberestatísticas. Os especialistas estão enganados por margens muito vastas.
Nenhum de nós, especialistas incluídos, consegue compreender realmente o que é crescimento exponencial. É difícil realizar previsões em uma área em que o crescimento pode, por exemplo, duplicar a cada seis meses. Extrapolar em termos lineares é muito mais fácil -simplesmente projetamos os números relativos ao futuro de acordo com os dados obtidos sobre o passado.
Os especialistas em previsões também erroneamente subestimam o uso de computadores nos países em desenvolvimento, onde as pessoas compartilham máquinas, empregam computadores oferecidos em lugares públicos e, por puro desespero, tendem a ser muito audaciosas quanto ao alcance de suas explorações -muito mais do que os membros de uma sociedade de gente satisfeita.
Dentro de um ano, a Internet terá 1 bilhão de usuários, e o comércio eletrônico estará faturando US$ 1 trilhão. Ninguém disse isso ainda, mas podem confiar em mim -estejam atentos ao ano 2001.

Pergunta - A despeito dos issos e aquilos digitais que dispomos no mundo hoje em dia, há muitas pessoas no mundo que são ciberidiotas. Certamente você não pretende negar o fato. Explique o motivo.
Resposta -
Concordo com você. Quem comumente lê minha coluna sabe que estou do seu lado. Os criadores de softwares nas empresas, e até mesmo fora delas, têm em mente mais eles mesmos do que você. Tentando se manter em dia, você pode algumas vezes descobrir nove maneiras diferentes de fazer a mesma coisa, cada qual mais confusa. Todo tipo de recurso e opção, sem grande ordem, foi colocado no mercado só porque é divertido fazê-lo.
O que aconteceu foi que, ao longo dos últimos dez anos, os computadores se tornaram mais fechados, ou seja, mais difíceis de usar, em lugar de mais fáceis. De fato, se, em 1989, eu tivesse dito a você que boa parte do público geral em breve estaria gastando dinheiro em uma máquina que prometia levá-los às lágrimas por pura frustração, pelo menos uma vez por semana você me chamaria de maluco. No entanto, como você diz, é exatamente isso o que está acontecendo.
O pior é que essa obesidade e complexidade do software abalou a confiabilidade dos computadores pessoais, porque os programas tropeçam uns nos outros. Há coisas que parecem funcionar um dia e pifam no seguinte.
Isso pode melhorar? Sim, pode. Vai melhorar? Acredito que não haja outra escolha.

Pergunta - Em termos de corporações, e particularmente na era cibernética, qual é o valor de ser grande (além de fazer com que nós, usuários, nos sintamos pequenos...)?
Resposta -
Muito pouco. No passado, uma empresa multinacional costumava ser encarada como uma companhia imensa, prodigiosa -muito grande. Mas hoje dois moleques em uma garagem podem dirigir uma empresa mundial -a clientela deles pode não estar na mesma cidade, Estado ou em outro continente. O mais provável é que ela seja global. Os mercados mundiais não estão mais limitados a empresas gigantes. Aliás, o que está?
Anos atrás, eu costumava pensar que uma vantagem inalienável de ser grande era a capacidade de perder milhões de dólares antes de começar a lucrar ainda mais. Isso, para mim, parecia ser a verdadeira virtude do tamanho. Você e eu, como pequenos indivíduos, não podemos começar uma empresa cujo custo de entrada seja alto ou cujos prejuízos iniciais sejam altos demais antes que lucros ainda maiores surjam. Mas até mesmo essa vantagem do tamanho está começando a desaparecer à medida que mais investidores e mercados passam a assumir mais riscos e dão sustentação a empreendimentos compactos e de alto custo.
A comunidade de investimento atual -tanto os mercados quanto os banqueiros de investimentos- está disposta a arriscar capital suficiente para que empresas iniciantes de qualquer tamanho se envolvam em projetos dispendiosos. Basta ver algumas das novas companhias de telecomunicações criando redes maciças de fibras ópticas em todo o mundo.
Na verdade, subitamente quase desapareceu a vantagem de ser grande, o que é uma tendência bastante surpreendente.

Pergunta - Bem, coloque seu chapéu de profeta e diga qual é a próxima novidade quente do mundo digital.
Resposta -
Computadores comestíveis. Juro. No futuro não muito distante do século 21 estaremos todos engolindo um computador descartável do tamanho de um comprimido, que se moverá dentro do nosso corpo. Ele transmitirá nossos sinais vitais a uma pequena caixa preta armazenada em um cinto ou relógio de pulso. Engoliremos um computador por dia.
Fico atônito diante da nossa falta de conhecimento sobre o nosso próprio corpo. A Boeing sabe mais sobre os seus aviões do que os seres humanos sobre os seus corpos. O genoma humano é muito importante. E o mesmo vale para acompanhar o nosso desempenho e criar uma conexão com as nossas funções internas.
Será um verdadeiro anacronismo ir ao consultório médico tentando explicar a origem de uma dor e quando ela ocorreu, e onde foi, e quanto durou, que sensações causou. Em lugar disso, o que sentirmos estará gravado na pequena caixa preta, que será dada ao médico para que ele ganhe completo conhecimento sobre o nosso estado de saúde.


Nicholas Negroponte é autor do best seller "A Vida Digital" e diretor do Laboratório de Mídia do Massachusetts Institute of Technology (MIT).

O autor se despede da coluna "Diálogo com Negroponte", que passa a ser escrita por Esther Dyson. O endereço para correspondência é a/c New York Times Syndicate,122E 42nd St., NY, NY 10168 ou por fax, 001-212-499-3382.

Tradução de Paulo Migliacci.


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