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OPINIÃO
Os possessos
JOÃO SAYAD
O PFL não é partido liberal ou
neoliberal. Reúne políticos que
defendem interesses locais ou
regionais sem postura dogmática contra o Estado, a favor do
mercado ou de qualquer outro
dogma neoliberal.
O PMDB nasceu como oposição ao governo militar. Deu certo, cresceu e se descaracterizou.
Não é diferente do PFL, a não
ser por ainda ter alguns antigos
líderes da oposição nos seus
quadros.
O PSDB começou como dissidência do PMDB, reunindo em
partido separado políticos de
origem universitária, mais comprometidos com problemas nacionais do que com questões locais, regionais ou profissionais.
Ganhou as eleições em 1994 e se
transformou no defensor da
doutrina neoliberal de redução
do tamanho do Estado e incentivo à globalização financeira.
Cresce desde que assumiu o poder e tende a se transformar em
novo PMDB.
O PPB é a direita na oposição.
É formalmente neoliberal mas,
quando no governo, tem sido
mais pragmático e intervencionista do que o próprio PMDB.
O PT é o único partido em que
doutrina e pensamento político
sobre o futuro do país não são
apenas pretextos para reunir
políticos em torno de uma sigla.
Em compensação, o debate
doutrinário interno é tão conflituoso e intenso, que ameaça a
própria atuação e sobrevivência
do partido.
A vida política nacional é portanto marcada pela fragmentação -partidos representam
apenas micro interesses locais,
regionais ou profissionais.
O presidente reconhece o diagnóstico e brinca que enquanto
Clinton enfrenta oposição organizada, o governo federal é
apoiado por maioria desorganizada.
Então, quem foi que apoiou
estes quatro anos de juros altos e
câmbio sobrevalorizado com
corte de gastos, desemprego e
privatização?
A indústria brasileira perdeu.
Empresários podem ter se adaptado, transformando indústrias
em importadoras ou vendendo
empresas para empresas internacionais. Mas a indústria perdeu, cortou postos de trabalho,
desmanchou-se.
Da perda dos operários nem é
preciso falar. O movimento sindical enfraqueceu com desemprego e salários mais baixos, os
pelegos renasceram das cinzas.
Os funcionários públicos diminuíram em número, foram promovidos a bodes expiatórios e
perderam salários. Os funcionários das estatais, se eram contra
a privatização, foram derrotados, além de terem perdido em
salário real e número de empregos.
A agricultura perdeu duas vezes -vendeu mais barato, com
o câmbio sobrevalorizado e pagou juros mais altos para financiar a própria sobrevalorização.
Será que os bancos ganharam?
Pode ser. Mas hoje, temos apenas três grandes bancos nacionais. Agora, o sistema bancário
nacional é basicamente estrangeiro à exceção dos três e de alguns pequenos bancos de investimento.
Quem ganhou?
Muitas pessoas ganharam
-empresários e não empresas,
pessoas e não grupos ou classes:
os que compraram dólares baratos e se transformaram em investidores estrangeiros residentes no Brasil, nos meses mais
quentes ou menos quentes, dependendo do gosto de cada um.
Talvez os compradores das
empresas estatais que conseguiram financiamento e herdaram
as únicas empresas brasileiras
que realmente existem em termos de possuírem mercado, tecnologia, organização e estratégia.
Todos os setores econômicos
do país perderam. Trabalhadores perderam.
Mesmo assim, o governo conseguiu maioria para aprovar reformas constitucionais que pareciam impossíveis de serem
aprovadas: exigem dois terços
dos votos, dupla votação nas
duas casas parlamentares.
Aprovamos a privatização da
Petrobrás, o fim da estabilidade
do funcionário público, a redução dos benefícios dos aposentados e a reeleição.
Como explicar a vida política
nacional que aprova conjunto
de reformas e política econômica que vai contra os próprios interesses?
Economistas diriam que o fim
da inflação deu esse imenso capital político ao governo para
aprovar o que quisesse e orientar o país no sentido em que bem
entendesse.
Mas o fim da inflação seria explicação se pudéssemos identificar que grupos teriam sido beneficiados -onde está o grupo
ou setor que ganhou?
Será que foi a possibilidade de
consumir alguns importados
por preços excepcionalmente
baixos? Será que foi um populismo consumista que deu força ao
governo? Mas o medo do desemprego e a redução de salários
não deveriam pelo menos contrabalançar o apoio dos que
consumiam importados mais
baratos?
Existem duas respostas possíveis.
A primeira é que no Brasil, o
racional está deslocado do real.
Fomos entorpecidos por idéias
caídas do céu.
Somos como os possessos do
Dostoievsky que jogam bombas,
incendeiam, matam e se suicidam por idéias de livros. Experimentamos durante quatro anos
a sobrevalorização cambial,
sem razão concreta alguma. Poderemos experimentar outra
barbaridade qualquer, como o
"currency board".
A segunda resposta é para
tranquilizá-los: tudo tem uma
razão, este é o melhor dos mundos possíveis. Eu é que não entendo nada de política.
E-mail: jsayad@ibm.net
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