São Paulo, domingo, 01 de março de 2009

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Crise atinge cadernos de livros

"Washington Post" extingue "Book World"; "San Francisco Chronicle" e "New York Times" são os únicos a ainda manterem suplementos

LILA AZAM ZANGANEH

Saiu em 15 de fevereiro a derradeira edição do suplemento literário do "Washington Post", um dos maiores jornais dos EUA. Esse célebre suplemento intitulado "Book World", com vários críticos que já receberam o Prêmio Pulitzer, saía no interior do jornal, mas também era vendido separadamente.
Desde 22 de fevereiro, seus artigos passaram a aparecer em duas rubricas dedicadas a outros temas: "Outlook", uma página de debates e comentários, e "Style & Arts", uma seção que trata do "entretenimento" sob todas as suas formas.
De agora em diante, "Book World" continuará a ser publicado separadamente apenas na internet, com exceção de algumas edições especiais: a edição de leituras de verão e a de livros para crianças.
Qual é a razão dessa parada mortal? A falta de anúncios. "É a publicidade, é claro. Ela não justificava o espaço dedicado semanalmente à cobertura de livros no "Book World'", declarou na semana passada Marcus Brauchli, um dos redatores-chefes do "Washington Post".
Mas acrescentou que o número de críticas publicadas no jornal "quase" não diminuirá, "embora seja verdade que vamos dispor de menos espaço". Embora seja criticada por todos os meios literários do país -especialmente pelo muito respeitado Círculo Nacional dos Críticos de Livros, que fez circular uma petição assinada por alguns grandes nomes da literatura americana-, a decisão parece ser inapelável. Isso porque não está vinculada apenas à crise econômica que devasta a indústria de livros nos EUA.

Nova política
Já há vários anos que as editoras gastam uma parte ínfima de seu orçamento de marketing com anúncios em jornais, preferindo fechar acordos de cooperação com cadeias de livrarias como Barnes & Noble, que garantem que determinados livros serão claramente destacados nas vitrines das livrarias. O efeito disso sobre a cultura literária, já pisoteada pela lógica da cultura de massa, corre o risco de ser deletério, como observam vários críticos, escritores e leitores. "Enquanto as estatísticas nacionais dão conta de um pequeno aumento do interesse pela leitura", observa um blogueiro de Washington, "os jornais parecem assumir a posição vergonhosa de enxergar a literatura como prática marginal e pouco lucrativa".
Para acalmar a angústia que tomou conta do mundo literário americano com a anúncio do fechamento do "Book World", o "Washington Post" anunciou que vai experimentar "novas formas de reportagens literárias", mais vinculadas a temas da atualidade.
"Se saírem três livros sobre Lincoln", explica Brauchli, "nós os juntaremos num só artigo ou, então, faremos um artigo sobre a influência de Lincoln sobre a política de Obama". Um fato que pode dar alguma esperança aos amantes dos livros é que o "Book World", criado em 1967, já havia sido relegado à seção "Style" em 1973, antes de reconquistar o lugar de entidade separada no início da década de 1980.
Portanto, tudo ainda é possível. Vários editores, aliás, justificam as transformações atuais, declarando estar certos de que a integração das críticas de livros às páginas gerais vai chamar a atenção de um grupo maior de leitores. E as resenhas, garantem, vão continuar e serão ampliadas na internet. Acontece que, para muitos jornalistas, a internet modifica a própria natureza da função crítica, pois, para o leitor, trata-se mais de fazer uma busca por um artigo do que de passear com o olhar por várias páginas.
Esse fato, concretamente, limita o alcance de uma crítica sobre um autor pouco conhecido do grande público.

Já vai tarde
Dito isso, alguns leitores do "Book World" não terão problemas em adaptar-se a seu desaparecimento. Um blogueiro do Colorado parece fazer eco a uma parte significativa dos leitores quando escreve: ""Book World" era tão medíocre que, francamente, não era digno de um jornal tão prestigioso. (...) Enquanto conceito, portanto, "Book World" não me fará falta; enquanto realidade, eu diria que ele vai tarde!".
Os únicos suplementos literários que estão resistindo à crise até agora são os do "San Francisco Chronicle" -apesar de o número total de artigos ter diminuído nitidamente- e do "New York Times". O "Los Angeles Times" eliminou seu suplemento literário em 2007, apesar de ter aumentado o número de artigos on-line. "Talvez seja apenas uma nostalgia idiota de minha parte", explica seu último redator-chefe, Steve Wasserman, "mas gosto de pensar que a República dos Livros merece uma região que lhe seja própria".
O sacrossanto "New York Times Book Review" ainda é o maior suplemento literário dos EUA, com até 30 páginas todos os domingos, 15 jornalistas e dezenas de colaboradores. O "NYTBR" é vendido separadamente a 23.500 assinantes, e a cada semana 4.200 exemplares são comprados em livrarias de todo o país.
Mesmo assim, os editores se negam a pronunciar-se sobre o futuro do suplemento, tendo em conta que a crise já provocou os maiores prejuízos que o "New York Times" sofreu desde o crack de 1929.

A íntegra deste texto saiu no "Le Monde".
Tradução de Clara Allain .



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