São Paulo, domingo, 01 de abril de 2007

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Diferenças essenciais

O antropólogo Luiz Mott defende cotas universais, como para obesos, homossexuais, travestis etc.

DA REDAÇÃO

Luiz Mott, antropólogo e militante fundador do Grupo Gay da Bahia, acha que a a ministra Matilde Ribeiro deveria se retratar pelas declarações da semana passada.
Para Mott, "as minorias raciais, sexuais e de gênero são tentadas a ver a discriminação apenas do lado do opressor mais poderoso".
Defensor do sistema de cotas, o autor de "Rosa Egipcíaca - Uma Santa Africana no Brasil" acha que a ideologia de afirmação racial está sendo importada diretamente dos EUA, "destruindo toda uma tradição de convivência racial".
Ele lembra o ataque contra estudantes africanos na UnB, na quarta passada, e diz temer que antagonismos raciais "cheguem ao nível de violência, como ocorre na Inglaterra e nos EUA". "Eu próprio já fui chamado de branquelo azedo", disse à Folha.

 


FOLHA - O sr. acha que as declarações da ministra trazem embutida a idéia de um racismo às avessas?
LUIZ MOTT
- Acho que sim. No Brasil, as minorias raciais, sexuais e de gênero são tentadas a ver a discriminação apenas do lado do opressor mais poderoso, como se as minorias sempre tivessem razão.
No caso da ministra, embora tenha dito que não concorde com essa posição, acho que as declarações representam quase uma aprovação da intolerância na convivência racial.
Apóio a ação da OAB quando sugeriu um desagravo público da parte dela pela irresponsabilidade da afirmação.
Aqui na Bahia, em anos passados, o bloco Ilê Ayê divulgou uma música que falava em super-raça. Eu protestei, dizendo que não era aceitável essa supervalorização de uma raça, na medida em que colocava as outras como inferiores.
Quando alguns blocos não aceitavam brancos entre seus filiados, sob a alegação de que não faziam parte da cultura tradicional afro-baiana, também protestei. O que se comenta é que a cantora Margareth Menezes, quando ainda não era famosa, tentou se filiar ao bloco Ilê Ayê, mas não foi aceita porque não era suficientemente negra.

FOLHA - O sr. concorda com as políticas de ação afirmativa e de cotas no estágio atual?
MOTT
- Lastimo que a ideologia de afirmação racial e de oposição racial na última década no Brasil tenha sido importada diretamente dos EUA, infelizmente destruindo toda uma tradição de convivência racial que considero perfeitamente qualificada por Fernando Henrique Cardoso como racismo cordial.
Acho que [a tradição de convivência] está sendo destruída e substituída por um relacionamento racial cada vez mais tenso e conflitivo. Haja vista a queima das portas dos três quartos de estudantes africanos na UnB.
Eu próprio já fui chamado de branquelo azedo. Nunca ouvi nenhum branco chamar negro com termos preconceituosos de antigamente.
Vivendo há 30 anos na Bahia, convivendo sempre com companheiros negros, receio que esses antagonismos raciais cheguem ao nível de violência, como ocorre na Inglaterra e nos EUA. Não se vê no Brasil pessoas sendo espancadas ou sofrendo violências físicas devido ao ódio racial, como acontece lá.

FOLHA - Alguns antropólogos criticam as políticas de ação afirmativa adotadas aqui exatamente porque estão sendo importadas dos países anglo-saxões, com uma história diferente...
MOTT
- Com certeza. Sou a favor de cotas universais.
Já que pretendem ser ações afirmativas visando a corrigir erros históricos, todas as populações e grupos apartados historicamente deveriam ser beneficiados, como os obesos, homossexuais, travestis... E entre os índios e negros, aqueles que pertencem a estes segmentos mais discriminados. Os mais feios, os negros deficientes físicos, gays, travestis e lésbicas.
Porque muitas afro-descendentes pardas, bonitas e ricas sofrem muito menos discriminação do que uma branca, p obre, gorda e lésbica.
Como sou a favor do princípio das ações afirmativas universais, sou a favor das cotas, embora considere que precisam ser constantemente revistas. Espero que, dentro de 10 a 20 anos, se os resultados não tiverem sido positivos, sejam mantidas.
E, se não tiverem mostrado resultados concretos, que sejam abolidas. O sistema de cotas já desconstruiu algumas preocupações daqueles que se opunham a ele, como o rendimento. Os cotistas mostraram ter rendimento igual ou superior aos outros. Cotas não têm implicado diminuição da qualidade de ensino.
E não houve grandes denúncias de que os cotistas estivessem sendo discriminados.
(MS)


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