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Renomado físico inicia guerra para derrubar hipótese
de que possam existir atalhos entre áreas distantes do espaço
Portal IMPOSSÍVEL
SALVADOR NOGUEIRA
DA REPORTAGEM LOCAL
Em 23 de março, o físico norte-americano Leonard Susskind
decidiu abrir uma lata de minhocas. Ou melhor, uma lata
de buracos de minhoca. Num estudo categórico, ele disse que muitos
cientistas entusiasmados estavam
meramente perdendo seu tempo: as
leis da física não permitiriam a construção de "túneis" que perfuram o
espaço ligando pontos remotos e
permitindo viagens, em tese, mais
rápidas que a velocidade da luz.
Num estudo de cinco páginas, intitulado "Buracos de minhoca e viagem no tempo? Improvável.", Susskind declara sem cerimônias o fim
desse campo de estudos, dizendo
que esses artefatos, derivados de algumas das soluções possíveis das
equações da teoria da relatividade
geral de Einstein, de fato violam dois
dos princípios mais fundamentais
da física -a lei da conservação local
da energia e o princípio da incerteza
da mecânica quântica.
Para alguns físicos que dedicam
todo o seu tempo tentando encontrar saídas teóricas para permitir a
existência desses tais buracos de verme, o estudo de Susskind, publicado
no site www.arxiv.org (repositório
de estudos que os físicos e astrônomos usam para discutir seus resultados antes mesmo de serem publicados em revistas científicas com revisão por partes), caiu como uma declaração de guerra.
Susskind não é um qualquer. Trata-se de renomado pesquisador da
Universidade Stanford, especializado na complicadíssima teoria de
cordas (ele está acabando de terminar um novo livro, "The Cosmic
Landscape: String Theory and the
Illusion of Intelligent Design", ou "O
Cenário Cósmico: Teoria de Cordas
e a Ilusão do Design Inteligente", em
que tentará defender o princípio antrópico sem deixar que isso se torne
um argumento de fundo religioso).
Nem por isso outros físicos, menos
conhecidos, deixaram de reagir.
Susskind recebeu críticas duras de
vários cientistas, entre eles do russo
Serguei Krasnikov, um velho estudioso de buracos de minhoca. Esses
físicos já tropeçaram em várias dificuldades teóricas como as que Susskind estava apontando, mas não se
intimidaram e superaram os obstáculos para concluir que, enfim, esses
atalhos cósmicos são possíveis.
"Os argumentos dele não são novos, já haviam sido utilizados duas
décadas atrás", diz Mário Novello,
do CBPF (Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas), no Rio, um dos físicos que não engoliram as novas
idéias de Susskind. "Entretanto, essas questões já foram tratadas de um
outro modo."
Krasnikov fez questão de refrescar
a memória de Susskind. "Meu papel
aqui foi apenas chamar sua atenção
para uma (fatal?) lacuna em seu raciocínio", diz o russo.
Momento da virada
Finalmente, dez dias atrás, um outro artigo apareceu no arxiv.org. O
título era "Refutação de um estudo
sobre buracos de minhoca". E a sinopse, em referência direta ao artigo
original de Susskind, é impagável.
"Em um artigo recente sobre buracos de minhoca [referência ao trabalho do físico de Stanford], o autor
daquele artigo demonstrou que não
sabia do que estava falando. Neste
artigo eu corrijo as interpretações
ingênuas e errôneas do autor."
O autor da hilária refutação era
ninguém menos que... Leonard
Susskind. "Eu cometi um erro técnico no primeiro artigo e foi um erro
idiota. O argumento que eu estava
dando estava errado", disse o físico
americano à Folha. Com o novo artigo, Susskind declarou uma trégua
entre os defensores dos buracos de
minhoca -mas não a rendição incondicional. "Nada disso significa
que os buracos de minhoca façam
sentido", escreveu Susskind, no artigo em que refutou seus próprios argumentos iniciais. "Eu compartilho
o preconceito do autor do [estudo
original] de que eles não fazem e espero voltar ao problema."
Suspensão da descrença
O preconceito de Larry Susskind
com buracos de minhoca é compreensível. É verdade que, em circunstâncias muito sinistras, as equações da relatividade o permitem.
Mas a um preço alto demais, que levanta suspeitas.
Explicando: a relatividade geral diz
que o que as pessoas desde a época
de sir Isaac Newton (1642-1727) chamam de gravidade na verdade é uma
curvatura num espaço-tempo contínuo (um conjunto indissolúvel,
composto pelas três dimensões do
espaço e pela do tempo) gerada pela
presença de matéria (ou energia)
nesse ambiente.
A premissa por trás dos buracos de
minhoca é a possibilidade de criar
uma distorção tão grande em duas
regiões do espaço-tempo que elas se
curvam a ponto de se ligarem, formando um "atalho" entre esses dois
pontos. Então, uma viagem que, pelo espaço convencional, levaria zilhões de anos na velocidade máxima
permitida (a da luz, 300 mil quilômetros por segundo), poderia ser
encurtada a alguns segundos, numa
travessia de um buraco de minhoca.
Para manter essas passagens abertas, no entanto, seria preciso algo
que os físicos tratam como "matéria
exótica" -algo que emitisse energia
negativa. A rigor, não há material no
mundo que tenha essas propriedades. No entanto, alguns efeitos
quânticos observados já demonstraram que, pelo menos nas menores
escalas, energia negativa é possível
(já foi até mesmo observada). Aí reside a maior parte das esperanças
dos entusiastas de buracos de vermes. Mas as conseqüências, caso eles
estejam mesmo certos, podem ser
catastróficas.
Tempo esgotado
O problema é que os buracos de
minhoca, como o trabalho de traças
cósmicas pelo tecido do espaço-tempo, não permite somente ligar
dois pontos distantes do cosmos.
Obrigatoriamente, também seria
possível conectar duas regiões diferentes do tempo. Ou seja, se buracos
de minhoca existem, a possibilidade
de viajar no tempo -com destino
ao passado- também.
Alguns cientistas famosos têm um
problema sério com isso. O físico e
popstar Stephen Hawking, da Universidade de Cambridge, no Reino
Unido, foi o mais categórico deles:
instituiu um "princípio de proteção
cronológica". Em suma, ele diz que,
não importa como, a natureza precisa ter uma lei que impeça viagens ao
passado.
Não é que ele não tenha espírito de
aventura; o problema é que o paradoxo do avô é algo que ele prefere
não ter de enfrentar. Em resumo, o
paradoxo que assombra Hawking é
o seguinte: se viajar ao passado é
possível, alguém pode voltar no
tempo e matar o próprio avô. Se o
avô está morto, não terá um filho,
que não terá o neto, que não poderá
voltar no tempo para matar o avô,
que então viverá para ter o filho que
terá o neto, que então voltará no
tempo e matará seu avô, e assim sucessivamente. (Mais sobre isso no
primeiro filme da série "De Volta
para o Futuro", de Steven Spielberg.)
Então, em nome do bom senso,
Hawking instituiu o tal princípio da
proteção cronológica. A base não é a
física, mas sim o bom senso.
Susskind concorda, mas é ainda
mais radical. "Eu concordo que os
argumentos de Hawking são bons,
mas eles não dizem muito sobre viagens espaciais -exceder a velocidade da luz usando buracos de minhoca", diz o físico. Para ele, isso também deveria ser proibido pelas inflexíveis leis da natureza.
Para Krasnikov e outros defensores da pesquisa desses fenômenos
bizarros, os buracos de minhoca
continuam vivos e saudáveis, a despeito dos ataques de Susskind.
"Eu dei o melhor de mim para entender os argumentos dele, mas desisti -assim como alguns dos meus
colegas que conhecem mecânica
quântica melhor que eu", afirma o
físico teórico russo. "Agora que ele
mesmo os abandonou, não acho que
valha a pena gastar mais esforço
com isso."
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