São Paulo, domingo, 01 de maio de 2005

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Renomado físico inicia guerra para derrubar hipótese de que possam existir atalhos entre áreas distantes do espaço

Portal IMPOSSÍVEL

SALVADOR NOGUEIRA
DA REPORTAGEM LOCAL

Em 23 de março, o físico norte-americano Leonard Susskind decidiu abrir uma lata de minhocas. Ou melhor, uma lata de buracos de minhoca. Num estudo categórico, ele disse que muitos cientistas entusiasmados estavam meramente perdendo seu tempo: as leis da física não permitiriam a construção de "túneis" que perfuram o espaço ligando pontos remotos e permitindo viagens, em tese, mais rápidas que a velocidade da luz.
Num estudo de cinco páginas, intitulado "Buracos de minhoca e viagem no tempo? Improvável.", Susskind declara sem cerimônias o fim desse campo de estudos, dizendo que esses artefatos, derivados de algumas das soluções possíveis das equações da teoria da relatividade geral de Einstein, de fato violam dois dos princípios mais fundamentais da física -a lei da conservação local da energia e o princípio da incerteza da mecânica quântica.
Para alguns físicos que dedicam todo o seu tempo tentando encontrar saídas teóricas para permitir a existência desses tais buracos de verme, o estudo de Susskind, publicado no site www.arxiv.org (repositório de estudos que os físicos e astrônomos usam para discutir seus resultados antes mesmo de serem publicados em revistas científicas com revisão por partes), caiu como uma declaração de guerra.
Susskind não é um qualquer. Trata-se de renomado pesquisador da Universidade Stanford, especializado na complicadíssima teoria de cordas (ele está acabando de terminar um novo livro, "The Cosmic Landscape: String Theory and the Illusion of Intelligent Design", ou "O Cenário Cósmico: Teoria de Cordas e a Ilusão do Design Inteligente", em que tentará defender o princípio antrópico sem deixar que isso se torne um argumento de fundo religioso).
Nem por isso outros físicos, menos conhecidos, deixaram de reagir. Susskind recebeu críticas duras de vários cientistas, entre eles do russo Serguei Krasnikov, um velho estudioso de buracos de minhoca. Esses físicos já tropeçaram em várias dificuldades teóricas como as que Susskind estava apontando, mas não se intimidaram e superaram os obstáculos para concluir que, enfim, esses atalhos cósmicos são possíveis.
"Os argumentos dele não são novos, já haviam sido utilizados duas décadas atrás", diz Mário Novello, do CBPF (Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas), no Rio, um dos físicos que não engoliram as novas idéias de Susskind. "Entretanto, essas questões já foram tratadas de um outro modo."
Krasnikov fez questão de refrescar a memória de Susskind. "Meu papel aqui foi apenas chamar sua atenção para uma (fatal?) lacuna em seu raciocínio", diz o russo.

Momento da virada
Finalmente, dez dias atrás, um outro artigo apareceu no arxiv.org. O título era "Refutação de um estudo sobre buracos de minhoca". E a sinopse, em referência direta ao artigo original de Susskind, é impagável. "Em um artigo recente sobre buracos de minhoca [referência ao trabalho do físico de Stanford], o autor daquele artigo demonstrou que não sabia do que estava falando. Neste artigo eu corrijo as interpretações ingênuas e errôneas do autor."
O autor da hilária refutação era ninguém menos que... Leonard Susskind. "Eu cometi um erro técnico no primeiro artigo e foi um erro idiota. O argumento que eu estava dando estava errado", disse o físico americano à Folha. Com o novo artigo, Susskind declarou uma trégua entre os defensores dos buracos de minhoca -mas não a rendição incondicional. "Nada disso significa que os buracos de minhoca façam sentido", escreveu Susskind, no artigo em que refutou seus próprios argumentos iniciais. "Eu compartilho o preconceito do autor do [estudo original] de que eles não fazem e espero voltar ao problema."

Suspensão da descrença
O preconceito de Larry Susskind com buracos de minhoca é compreensível. É verdade que, em circunstâncias muito sinistras, as equações da relatividade o permitem. Mas a um preço alto demais, que levanta suspeitas.
Explicando: a relatividade geral diz que o que as pessoas desde a época de sir Isaac Newton (1642-1727) chamam de gravidade na verdade é uma curvatura num espaço-tempo contínuo (um conjunto indissolúvel, composto pelas três dimensões do espaço e pela do tempo) gerada pela presença de matéria (ou energia) nesse ambiente.
A premissa por trás dos buracos de minhoca é a possibilidade de criar uma distorção tão grande em duas regiões do espaço-tempo que elas se curvam a ponto de se ligarem, formando um "atalho" entre esses dois pontos. Então, uma viagem que, pelo espaço convencional, levaria zilhões de anos na velocidade máxima permitida (a da luz, 300 mil quilômetros por segundo), poderia ser encurtada a alguns segundos, numa travessia de um buraco de minhoca.
Para manter essas passagens abertas, no entanto, seria preciso algo que os físicos tratam como "matéria exótica" -algo que emitisse energia negativa. A rigor, não há material no mundo que tenha essas propriedades. No entanto, alguns efeitos quânticos observados já demonstraram que, pelo menos nas menores escalas, energia negativa é possível (já foi até mesmo observada). Aí reside a maior parte das esperanças dos entusiastas de buracos de vermes. Mas as conseqüências, caso eles estejam mesmo certos, podem ser catastróficas.

Tempo esgotado
O problema é que os buracos de minhoca, como o trabalho de traças cósmicas pelo tecido do espaço-tempo, não permite somente ligar dois pontos distantes do cosmos. Obrigatoriamente, também seria possível conectar duas regiões diferentes do tempo. Ou seja, se buracos de minhoca existem, a possibilidade de viajar no tempo -com destino ao passado- também.
Alguns cientistas famosos têm um problema sério com isso. O físico e popstar Stephen Hawking, da Universidade de Cambridge, no Reino Unido, foi o mais categórico deles: instituiu um "princípio de proteção cronológica". Em suma, ele diz que, não importa como, a natureza precisa ter uma lei que impeça viagens ao passado.
Não é que ele não tenha espírito de aventura; o problema é que o paradoxo do avô é algo que ele prefere não ter de enfrentar. Em resumo, o paradoxo que assombra Hawking é o seguinte: se viajar ao passado é possível, alguém pode voltar no tempo e matar o próprio avô. Se o avô está morto, não terá um filho, que não terá o neto, que não poderá voltar no tempo para matar o avô, que então viverá para ter o filho que terá o neto, que então voltará no tempo e matará seu avô, e assim sucessivamente. (Mais sobre isso no primeiro filme da série "De Volta para o Futuro", de Steven Spielberg.)
Então, em nome do bom senso, Hawking instituiu o tal princípio da proteção cronológica. A base não é a física, mas sim o bom senso.
Susskind concorda, mas é ainda mais radical. "Eu concordo que os argumentos de Hawking são bons, mas eles não dizem muito sobre viagens espaciais -exceder a velocidade da luz usando buracos de minhoca", diz o físico. Para ele, isso também deveria ser proibido pelas inflexíveis leis da natureza.
Para Krasnikov e outros defensores da pesquisa desses fenômenos bizarros, os buracos de minhoca continuam vivos e saudáveis, a despeito dos ataques de Susskind.
"Eu dei o melhor de mim para entender os argumentos dele, mas desisti -assim como alguns dos meus colegas que conhecem mecânica quântica melhor que eu", afirma o físico teórico russo. "Agora que ele mesmo os abandonou, não acho que valha a pena gastar mais esforço com isso."


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