São Paulo, domingo, 01 de maio de 2005 |
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+ livros "A Crítica Cúmplice", de Ana Bernstein, analisa a atuação de Décio de Almeida Prado como crítico de teatro, entre os anos de 1946 e 1968, e seus estudos e pesquisas decisivos sobre a história da dramaturgia nacional Um mestre em formação
SÍLVIA FERNANDES
É verdade que, em certas passagens, procura avaliar as produções dos comediantes, do Teatro de Arena e, especialmente, do Oficina com voz própria, mas sempre retorna, por necessidade, à crítica de Décio de Almeida Prado, tomada como paradigma do movimento teatral moderno. Essa simbiose entre discurso e teatro permeia o livro a tal ponto que a dissociação aparece apenas quando os pressupostos de um deixam de servir à leitura do outro. É o que acontece, por exemplo, na última fase do trabalho do crítico, que se estende de meados da década de 60 até 1968 e termina com o famoso incidente de devolução do Prêmio Saci pela classe teatral paulista, que o levaria a desligar-se de suas funções. Como observa a autora, essa é a face mais visível do problema. Na verdade, Décio de Almeida Prado atravessa um período de estranhamento de categorias e revisão de critérios, movido pelas primeiras experiências de "teatro agressivo" do Oficina, em "Roda Viva" e "Gracias Señor", influenciadas pela poética da crueldade de Antonin Artaud, pelos happenings do Living Theatre e, especialmente, pelo impulso de negação do texto e da distinção entre teatro e vida, característico da contracultura. A nova realidade teatral coloca o crítico numa posição desconfortável, de ruptura do pacto anterior, além de contradizer suas concepções mais profundas, especialmente aquela, influenciada por Jacques Copeau e Louis Jouvet, que vê no texto dramático o elemento nuclear de criação da cena. O respeito absoluto de Décio de Almeida Prado pela fonte literária e a conseqüente compreensão do dramaturgo como autoridade máxima do teatro e do encenador como "o homem que ausculta e faz falar as palavras", se são perfeitamente adequados a grande parcela da criação teatral dos anos 40, 50 e 60, são também responsáveis por suas discordâncias em relação a espetáculos de Ziembinski ("Desejo"), Antunes Filho ("As Feiticeiras de Salém") e do próprio José Celso Martinez Corrêa, não por acaso encenadores autorais. O que, paradoxalmente, comprova a excelente produção do crítico, que não resulta apenas da individualidade do autor, por excepcional que seja, mas da capacidade de responder às idéias que informam a criação teatral de sua época. O conjunto da obra A última etapa de trabalho de Décio de Almeida Prado, posterior ao abandono da crítica, é dedicada exclusivamente à pesquisa de cunho histórico, que desenvolve na mesma universidade em que se formou. Ainda que analise de forma breve os alentados estudos acadêmicos produzidos pelo ensaísta no período, é nesse capítulo que Bernstein lança mais luz sobre o conjunto da obra. Pois, à semelhança de seus companheiros de "Clima", o que Décio de Almeida Prado investiga nessa fase é a formação do teatro brasileiro, usando como guia, da mesma forma que Antonio Candido, a noção de sistema. Na tentativa de discriminar um conjunto de obras ligadas por denominadores comuns e definir com essa linhagem uma tradição brasileira, ele elabora dois estudos decisivos sobre o ator e empresário João Caetano, que complementa com a pesquisa sobre o teatro brasileiro no romantismo. A seu ver, o teatro romântico constitui no país o primeiro sistema integrado de atores, autores e espectadores e fornece a base de sustentação de nossa história teatral. História que Bernstein enriquece, ao apresentar ao leitor o fascinante processo de formação do crítico e do teatro brasileiro modernos. Sílvia Fernandes é professora de história do teatro na Escola de Comunicações e Artes da USP e autora de "Memória e Invenção" (Perspectiva). A Crítica Cúmplice - Décio de Almeida Prado e a Formação do Teatro Brasileiro Moderno 382 págs., R$ 65,00 de Ana Bernstein. Instituto Moreira Salles (r. Piauí, 844, SP, tel. 0/ xx/11/3825-2560). Texto Anterior: Portal IMPOSSÍVEL Próximo Texto: A celebridade inconformista Índice |
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