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Soldados desconhecidos
Episódio crucial da história do Brasil, participação na Segunda Guerra
ainda é pouco estudada
BORIS FAUSTO
COLUNISTA DA FOLHA
A data de 8 de maio,
que marca a derrota
do nazifascismo na
Segunda Guerra
Mundial em 1945,
passou, mais uma vez, quase
despercebida no Brasil.
No entanto ela merece ser
lembrada, quando mais não
fosse pela ativa participação do
país no conflito, com o envio da
Força Expedicionária Brasileira (FEB) para lutar nos campos
de batalha da Itália.
Essa história, que foi objeto
de visões quase sempre maniqueístas, foi retomada com
equilíbrio por historiadores
voltados para uma revalorizada
história militar, como é o caso
de Luís Felipe da Silva Neves e
Francisco César Alves Ferraz.
A participação do Brasil no
conflito, vista com reservas pela Inglaterra, foi incentivada
pelos EUA, em razão dos interesses continentais e também,
embora em menor escala, da
simpatia mútua que caracterizava as relações entre os presidentes Getúlio Vargas e Franklin Roosevelt.
Curiosamente, na medida
em que já se cogitava a formação de um organismo supranacional, que viria a ser a ONU, o
Brasil esperava ter nela [na
guerra] um papel significativo,
contribuindo para a ordenação
do mundo do pós-guerra.
Os primeiros contingentes
brasileiros seguiram para a Itália em julho de 1944, somando,
após novos envios, algo em torno de 25 mil homens.
O grosso das tropas foi recrutado entre as classes populares.
Imaginar essa gente motivada
por impulsos ideológicos seria
um equívoco.
A maioria da população
acompanhava, mal-e-mal, os
acontecimentos internacionais
e não tinha participação relevante nas manifestações entusiásticas da classe média urbana pela entrada do Brasil na
guerra e pela instauração de
um regime democrático no
país. Conhecendo-se a popularidade de Vargas entre as camadas pobres, não é demais sugerir que o tema da luta pela democracia era estranho à
maioria de nossos soldados.
Osso duro
Convocados para a guerra,
impelidos assim pelas circunstâncias, os pracinhas demonstraram uma disposição e uma
coragem heróicas, enfrentando
um inimigo muito mais bem
adestrado, em condições climáticas adversas, quando o inverno chegou.
Cerca de 460 brasileiros
morreram no conflito, sem
mencionar os feridos, sendo
mais da metade das mortes decorrente da conquista, a duras
penas, do Monte Castelo, na
cordilheira dos Apeninos, onde
se entrincheiravam os soldados
alemães.
Na volta ao Brasil, os ex-combatentes foram recebidos com
grande entusiasmo popular,
expresso nas passeatas e homenagens. Mas, logo a seguir, muito deles, em especial os que sofreram os efeitos dos traumas
da guerra, foram abandonados
e esquecidos.
Em todo caso, pelas disposições transitórias da Constituição de 1946, os servidores públicos que participaram do conflito ganharam estabilidade, e o
comandante da FEB, o então
general Mascarenhas de Morais, recebeu as honras de marechal do Exército brasileiro.
A campanha das forças aliadas na Itália foi objeto de um livro recente, abordando o tema
em grande detalhe.
Trata-se do estudo de Rick
Atkinson, jornalista norte-americano especialista em história militar, com o título de
"The Day of Battle - The War in
Sicily and Italy, 1943-1944" (O
Dia de Batalha - A Guerra na Sicília e na Itália, 1943-1944), publicado pela editora Henry
Holt, em 2007. Valho-me aqui
da resenha de Max Hastings, no
"New York Review of Books",
vol. 55, nº 5, 3/4/2008.
Em primeiro lugar, Atkinson
destaca o fato de que, ao contrário do que pensava o primeiro-ministro britânico Winston
Churchill, defensor do desembarque na península, a Itália
não era "o macio baixo-ventre
da Europa", mas um osso duro
de roer, defendido pelas tropas
comandadas por Albert Kesselring, um general alemão extremamente talentoso.
Esforço conjunto
Além disso, a topografia peninsular, com seus rios e elevadas montanhas, facilitava a posição estratégica dos alemães e
italianos e obrigava os aliados a
estar sempre em movimento,
expondo-se a pesadas perdas.
A batalha de Monte Castelo,
descrita por ele, foi um típico
exemplo dessas dificuldades.
Outro aspecto lembrado pelo
autor diz respeito à situação da
guerra, quando as forças aliadas desembarcaram na Sicília,
em julho de 1943.
Nessa altura, ao contrário do
que às vezes se diz, a sorte da
guerra não estava decidida, não
obstante a derrota alemã em
Stalingrado e uma série de outros reveses no Leste Europeu.
Entre a rendição alemã no
norte da África, em maio de
1943, e o Dia D -o desembarque na Normandia, em junho
de 1944-, a campanha da Itália
concentrou o maior esforço
terrestre de ingleses e norte-americanos para derrotar os
exércitos de Hitler.
Entretanto, voltando agora
ao Brasil e ao campo da história, como bem assinala Alves
Ferraz, a participação da FEB e,
especificamente, a atuação dos
pracinhas na Segunda Guerra
são temas que não alcançaram
a relevância que merecem, nos
estudos acadêmicos e nos livros didáticos mais recentes.
Desvalorização da história
militar? Temor de incorrer em
narrativas patrioteiras?
Sejam quais forem as razões,
nada justifica o apagamento da
memória desse episódio excepcional de nossa história, com
repercussões relevantes no plano das relações internacionais
do país assim como no plano
interno.
BORIS FAUSTO , historiador, é presidente do
Conselho Acadêmico do Gacint (Grupo de Conjuntura Internacional) da USP. É autor de, entre
outros, "A Revolução de 30" (Cia. das Letras).
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