São Paulo, domingo, 01 de julho de 2007

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Escondendo o jogo

"Invasão de Campo" disseca a rivalidade entre as alemãs Adidas e Puma, criadas por 2 irmãos , e sua disputa por nomes como Cruyff e Pelé

ERNANE GUIMARÃES NETO
DA REDAÇÃO

Quem acompanhar os Jogos Pan-Americanos do Rio, de 13 a 29 de julho, além da competição esportiva, terá como história subliminar o resultado de uma briga de irmãos, presente nos logotipos que adornam cada peça de vestuário dos atletas.
Não tolerando mais um ao outro, os alemães Adolf e Rudolf Dassler, que já obtinham projeção mundial com sua indústria de calçados esportivos em Herzogenaurach, separaram-se em 1948 e fundaram, respectivamente, a Adidas e a Puma -na mesma cidade, separadas apenas por uma ponte.
E, nessa disputa, foram pioneiros no marketing esportivo.
Adi coloriu as três tiras de reforço de seus calçados, tornando a marca facilmente identificável; Rudolf tornou praxe os contratos com grandes estrelas do esporte -como Pelé, o holandês Cruyff e o português Eusébio.
"Invasão de Campo" (ed. Zahar, trad. Cristiano Botafogo, 360 págs., R$ 47), da jornalista Barbara Smit, oferece detalhes sobre como a disputa familiar incentivou o crescimento dessas marcas. E como, desconsiderando outros concorrentes, quase desapareceram.
Nesta entrevista, a holandesa Smit, 39, fala de como a Puma obteve o contrato com Pelé em 1970 e da relação entre o herdeiro da Adidas e João Havelange, ex-presidente da Fifa, a mais alta entidade do futebol mundial.

 

FOLHA - Como a Segunda Guerra influiu na sociedade que Adolf e Rudolf mantinham?
BARBARA SMIT -
Adi Dassler começou o negócio, nos anos 1920, quando havia muitas fábricas de sapatos na região. Como era fã de esportes, decidiu criar uma fábrica especializada em calçados esportivos, e a popularização do futebol na Alemanha ajudou o negócio a prosperar.
Ele e Rudolf trabalharam bem, juntos, até a Segunda Guerra, quando a sociedade desmoronou. Ambos trabalhavam com os nazistas: faziam calçados para a seleção de atletismo.

FOLHA - Eles tinham identificação ideológica com o nazismo?
SMIT -
É difícil separar o que era negócio ou política. Quando acabou a guerra, houve o processo de "desnazificação", com processos de investigação sobre as atitudes de cada um durante a guerra. Adi tinha testemunhas que reconheciam seu relacionamento com os nazistas, mas que atestavam sua postura apolítica.
Ele vendia tanto para comunistas quanto para nazistas.
Rudolf era, aparentemente, mais comprometido com a ideologia. Foi preso depois da guerra, acusado de participar do serviço de segurança nazista. Ficou convencido de que seu irmão o entregara. Como a situação ficou insustentável, decidiram dividir tudo. Em 1948, Adi fundou a Adidas, e Rudolf, a Puma.

FOLHA - A Adidas saiu na frente nessa competição?
SMIT -
Não exatamente. Adi era o sapateiro e teve sorte e boas idéias: foi dele a iniciativa de pintar as listras. Eles usavam essas tiras para reforçar a lateral dos calçados, e a concorrência também usava -mas era sempre na mesma cor do sapato.
Adi resolveu testar diversas variações das listras pintadas e chegou à conclusão de que três seriam o melhor equilíbrio para que a marca ficasse visível. Tinha também um bom relacionamento com os atletas.
No início, porém, Adidas e Puma tinham qualidade comparável e muito acima dos concorrentes; seus calçados eram muito mais leves -tinham metade do peso das chuteiras inglesas, por exemplo.

FOLHA - Mas os brasileiros também usavam chuteiras mais leves do que as dos ingleses.
SMIT -
Sim, isso deve ser por causa do estilo de jogo. A Inglaterra usava o "kick and rush" /, agressivo, por isso as chuteiras pareciam botas de pedreiro. Havia proteção para o tornozelo e cobertura metálica para os dedos. O jogo fluido do Brasil requeria sapatos mais leves -que, para os padrões ingleses, estavam mais para chinelos.

FOLHA - Em 1987, em crise, a Puma saiu do controle dos herdeiros de Rudolf Dassler. A Adidas sobreviveu melhor?
SMIT -
Sim, mas também passou maus bocados. Horst morreu em 1987. Em 1992 /, a Adidas esteve a um prazo de duas semanas da declaração de falência.
Um ponto decisivo para o mercado foi a possibilidade de fabricar na Ásia, barateando a produção. A Nike aproveitou antes a oportunidade /. A Adidas e a Puma resistiram à idéia, o que quase acabou com elas. Competiam tanto entre si que ignoraram o avanço da Nike.

FOLHA - Apesar da disputa, a sra. diz que eles fizeram o "pacto Pelé" na Copa de 1970?
SMIT -
Os atletas profissionais do futebol não sofriam a restrição do atletismo olímpico, supostamente amador -e proibido de receber dinheiro para usar marcas. O problema com os jogadores de futebol é que eles muitas vezes preferiam receber "por fora", em dinheiro vivo.
Conta-se que em 1966, na Inglaterra, os Dassler eram vistos andando com sacolas cheias de dinheiro para os jogadores. Em 1970, os adversários concordaram que, se dessem lances por Pelé, o valor subiria demais, o que seria ruim para ambos -fizeram, então, um cartel.

FOLHA - Pelé procurou a Puma para negociar um contrato?
SMIT -
Pelé tinha um contrato com a marca inglesa Stylo e ganhava relativamente pouco.
Ninguém o procurava, o que era estranho. Mas o agente da Puma não agüentou a situação e começou a conversar com Pelé. Chegaram a um bom acordo /.

FOLHA - A Puma e a Adidas foram pioneiras nos contratos com celebridades do esporte?
SMIT -
Sim. Havia outros, mas a rivalidade entre as duas acelerou as coisas. Era muito fácil para os esportistas: bastava atravessar uma ponte e barganhar com a outra firma.
FOLHA - E a influência dessas marcas na política do esporte?
SMIT -
Foi Dassler quem começou a cultivar esse tipo de relação. Fez amizade com todo tipo de pessoa ao promover sua marca, como João Havelange.

FOLHA - Por que a Adidas teria interesse na eleição de Havelange à presidência da Fifa, conforme a sra. aponta em seu livro?
SMIT -
Inicialmente, Dassler apoiava Stanley Rous /, que representava o futebol europeu, mais rico. Por meio de um amigo, soube que a Confederação Africana apoiaria Havelange, o que deixava o brasileiro como potencial vencedor. Horst decidiu ficar do lado do vencedor.
Eles fizeram um pacto: Horst ajudaria Havelange a levantar o dinheiro para cumprir suas promessas de campanha; quando este assumiu, tiveram de fato uma boa relação.

FOLHA - E eles criaram a empresa que venderia as licenças de propaganda para a Copa seguinte?
SMIT -
Horst juntou-se ao inglês Patrick Nally para vender as licenças, criando depois a ISL /. Tornaram-se líderes no marketing esportivo, e certamente isso ajudou a Fifa a ganhar dinheiro.

FOLHA - Havelange participou dos negócios da ISL?
SMIT -
Ele não era membro, mas foi responsável. Ele certamente aprovou o fato de a ISL ser escolhida para vender os direitos -e não havia licitação.

FOLHA - Que diz do mito de 1998, de que a Nike, patrocinadora da seleção brasileira, teria vendido a final da Copa do Mundo, vencida pela França, que vestia Adidas?
SMIT -
Acho impossível acreditar. Não vi indícios de nada nesse sentido /. Mas "impossible is nothing" /, como dizem na Adidas.


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