São Paulo, domingo, 01 de julho de 2007 |
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
+ Esporte Escondendo o jogo
"Invasão de Campo" disseca a rivalidade entre as alemãs Adidas e Puma, criadas por 2 irmãos , e sua disputa por nomes como Cruyff e Pelé
Quem acompanhar os Jogos Pan-Americanos do Rio, de 13 a 29 de julho, além da competição esportiva, terá como história subliminar o resultado de uma briga de irmãos, presente nos logotipos que adornam cada peça de vestuário dos atletas. FOLHA - Como a Segunda Guerra influiu na sociedade que Adolf e Rudolf mantinham? BARBARA SMIT - Adi Dassler começou o negócio, nos anos 1920, quando havia muitas fábricas de sapatos na região. Como era fã de esportes, decidiu criar uma fábrica especializada em calçados esportivos, e a popularização do futebol na Alemanha ajudou o negócio a prosperar. Ele e Rudolf trabalharam bem, juntos, até a Segunda Guerra, quando a sociedade desmoronou. Ambos trabalhavam com os nazistas: faziam calçados para a seleção de atletismo. FOLHA - Eles tinham identificação ideológica com o nazismo? SMIT - É difícil separar o que era negócio ou política. Quando acabou a guerra, houve o processo de "desnazificação", com processos de investigação sobre as atitudes de cada um durante a guerra. Adi tinha testemunhas que reconheciam seu relacionamento com os nazistas, mas que atestavam sua postura apolítica. Ele vendia tanto para comunistas quanto para nazistas. Rudolf era, aparentemente, mais comprometido com a ideologia. Foi preso depois da guerra, acusado de participar do serviço de segurança nazista. Ficou convencido de que seu irmão o entregara. Como a situação ficou insustentável, decidiram dividir tudo. Em 1948, Adi fundou a Adidas, e Rudolf, a Puma. FOLHA - A Adidas saiu na frente nessa competição? SMIT - Não exatamente. Adi era o sapateiro e teve sorte e boas idéias: foi dele a iniciativa de pintar as listras. Eles usavam essas tiras para reforçar a lateral dos calçados, e a concorrência também usava -mas era sempre na mesma cor do sapato. Adi resolveu testar diversas variações das listras pintadas e chegou à conclusão de que três seriam o melhor equilíbrio para que a marca ficasse visível. Tinha também um bom relacionamento com os atletas. No início, porém, Adidas e Puma tinham qualidade comparável e muito acima dos concorrentes; seus calçados eram muito mais leves -tinham metade do peso das chuteiras inglesas, por exemplo. FOLHA - Mas os brasileiros também usavam chuteiras mais leves do que as dos ingleses. SMIT - Sim, isso deve ser por causa do estilo de jogo. A Inglaterra usava o "kick and rush" /, agressivo, por isso as chuteiras pareciam botas de pedreiro. Havia proteção para o tornozelo e cobertura metálica para os dedos. O jogo fluido do Brasil requeria sapatos mais leves -que, para os padrões ingleses, estavam mais para chinelos. FOLHA - Em 1987, em crise, a Puma saiu do controle dos herdeiros de Rudolf Dassler. A Adidas sobreviveu melhor? SMIT - Sim, mas também passou maus bocados. Horst morreu em 1987. Em 1992 /, a Adidas esteve a um prazo de duas semanas da declaração de falência. Um ponto decisivo para o mercado foi a possibilidade de fabricar na Ásia, barateando a produção. A Nike aproveitou antes a oportunidade /. A Adidas e a Puma resistiram à idéia, o que quase acabou com elas. Competiam tanto entre si que ignoraram o avanço da Nike. FOLHA - Apesar da disputa, a sra. diz que eles fizeram o "pacto Pelé" na Copa de 1970? SMIT - Os atletas profissionais do futebol não sofriam a restrição do atletismo olímpico, supostamente amador -e proibido de receber dinheiro para usar marcas. O problema com os jogadores de futebol é que eles muitas vezes preferiam receber "por fora", em dinheiro vivo. Conta-se que em 1966, na Inglaterra, os Dassler eram vistos andando com sacolas cheias de dinheiro para os jogadores. Em 1970, os adversários concordaram que, se dessem lances por Pelé, o valor subiria demais, o que seria ruim para ambos -fizeram, então, um cartel. FOLHA - Pelé procurou a Puma para negociar um contrato? SMIT - Pelé tinha um contrato com a marca inglesa Stylo e ganhava relativamente pouco. Ninguém o procurava, o que era estranho. Mas o agente da Puma não agüentou a situação e começou a conversar com Pelé. Chegaram a um bom acordo /. FOLHA - A Puma e a Adidas foram pioneiras nos contratos com celebridades do esporte? SMIT - Sim. Havia outros, mas a rivalidade entre as duas acelerou as coisas. Era muito fácil para os esportistas: bastava atravessar uma ponte e barganhar com a outra firma. FOLHA - E a influência dessas marcas na política do esporte? SMIT - Foi Dassler quem começou a cultivar esse tipo de relação. Fez amizade com todo tipo de pessoa ao promover sua marca, como João Havelange. FOLHA - Por que a Adidas teria interesse na eleição de Havelange à presidência da Fifa, conforme a sra. aponta em seu livro? SMIT - Inicialmente, Dassler apoiava Stanley Rous /, que representava o futebol europeu, mais rico. Por meio de um amigo, soube que a Confederação Africana apoiaria Havelange, o que deixava o brasileiro como potencial vencedor. Horst decidiu ficar do lado do vencedor. Eles fizeram um pacto: Horst ajudaria Havelange a levantar o dinheiro para cumprir suas promessas de campanha; quando este assumiu, tiveram de fato uma boa relação. FOLHA - E eles criaram a empresa que venderia as licenças de propaganda para a Copa seguinte? SMIT - Horst juntou-se ao inglês Patrick Nally para vender as licenças, criando depois a ISL /. Tornaram-se líderes no marketing esportivo, e certamente isso ajudou a Fifa a ganhar dinheiro. FOLHA - Havelange participou dos negócios da ISL? SMIT - Ele não era membro, mas foi responsável. Ele certamente aprovou o fato de a ISL ser escolhida para vender os direitos -e não havia licitação. FOLHA - Que diz do mito de 1998, de que a Nike, patrocinadora da seleção brasileira, teria vendido a final da Copa do Mundo, vencida pela França, que vestia Adidas? SMIT - Acho impossível acreditar. Não vi indícios de nada nesse sentido /. Mas "impossible is nothing" /, como dizem na Adidas. Texto Anterior: Presente na encruzilhada Próximo Texto: Pelé diz que não conhecia estratégia Índice |
Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress. |