|
Texto Anterior | Índice
Viciada em Freud
Romance
narra a relação de Marilyn Monroe
com seu último psicanalista
PATRICK KÉCHICHIAN
Mito moderno e
portanto simplista, Marilyn
Monroe [1926-62] convém de
maneira bastante perfeita a
nossos sonhos -sonhos que a
indústria cinematográfica e a
fotografia cuidadosamente enquadraram. Mas Michel
Schneider de maneira nenhuma tenta encontrar espaço entre os biógrafos e os pesquisadores que estudaram a vida de
Marilyn, com especial predileção por seu cadáver.
Seu romance ["Marilyn
-Dernières Séances", Últimas
Sessões, ed. Grasset, 532 págs.,
20 euros, R$ 57] constitui mais
um sonho que se vem somar
aos outros sonhos, uma divagação ou uma especulação -especialmente sobre a morte.
O interesse dele por Marilyn,
na forma pela qual se manifesta, não se enquadra no campo
do fascínio, do amor frenético
por um ícone.
Verdadeiramente "viciada
em Freud", Marilyn Monroe
conseguiu ser tratada por quatro psicanalistas diferentes, em
sua curta vida, entre os quais
Anna Freud, filha do fundador
da disciplina, com quem se
consultou em Londres no final
de 1956. Em janeiro de 1960, a
atriz começou aquela que seria
sua última experiência analítica. Optou por Ralph Greenson,
um médico conhecido, nascido
no Brooklyn em 1911, filho de
judeus russos, que fez amizade
com Freud em Viena em 1933.
O astro do inconsciente
Depois que começou a clinicar em um consultório em Beverly Hills, Greenson se tornou
"o astro do inconsciente freudiano "made in Hollywood'".
Um de seus colegas chegou a dizer que ele constituía "a espinha dorsal da psicanálise na
metade oeste dos EUA".
Peter Lorre, Tony Curtis,
Frank Sinatra e Vincente Minnelli se estenderam em seu divã. A análise de Marilyn duraria
20 meses. Estabeleceu-se uma
relação pouco ortodoxa entre a
atriz que Anna Freud definira
como "paciente longe do ideal
em termos analíticos" -devido
a sua angústia, depressão e carência infinitas- e um profissional que navegava de acordo
com as próprias luzes, com uma
bússola idiossincrática, e incapaz de refletir devidamente sobre a distância que o separava
de sua paciente.
De fato, certo dia Greenson
propôs o problemático conceito de "aliança terapêutica"
[acordo de confiança recíproca
entre paciente e analista] como
"método para resolver os impasses da transferência". "Mas
até que ponto isso vai, essa terapia por meio do amor?", perguntou um dia um colega agressivo e ansioso, Milton Wexler.
"Incompatíveis e inseparáveis, Marilyn e Ralph queriam
acima de tudo se perder. Não
romper, mas se perderem um
no outro."
Na noite de 4 de agosto de
1962, Marilyn foi encontrada
morta em sua casa, provavelmente por suicídio. "Foi a morte que a matou. Pessoa nenhuma, nem ela nem ninguém",
concluiu Truman Capote, amigo da atriz: uma forma de conduzir o enigma ao seu nível justo, longe da anedota e da ilusão.
"A quem você pertence?", perguntou Greenson a sua paciente. "Ao medo", ela respondeu.
Afresco apaixonante e minucioso, mas jamais pesado ou
impreciso, sobre um mundo reduzido à dimensão de Hollywood com seus cenários, miragens, complôs e um imenso
elenco de figurantes magníficos ou medíocres -Clark Gable, Yves Montand, John Huston, George Cukor, Billy Wilder, Lee Strasberg e também
John e Robert Kennedy-, o romance de Schneider é muito
mais do que uma reconstituição de época.
O texto faz surgir, sob uma
luz complexa e ambivalente, as
duas figuras, a da atriz e a de seu
terapeuta. Mesmo assim, entre
Marilyn em exposição perpétua ("em superexposição", como disse Joseph Mankiewicz) e
o psicanalista que se apóia nas
regras da psicanálise como um
equilibrista caminhando em
corda bamba, a festa não é conduzida apenas a dois.
Propagador de todas as ilusões, espelho de solidão refletindo o vazio, o cinema é a um
só tempo um parceiro e uma
forma de revelação.
Demonstrando admirável
disponibilidade com relação a
seu tema, Schneider construiu
e orquestrou seu romance com
inteligência notável. E, subitamente, uma imagem há tanto
tempo fixa, aprisionada no mito, ganha vida e consistência.
"De um mito, eu precisava criar
uma pessoa."
Este texto saiu no "Le Monde".
Tradução de Paulo Migliacci.
ONDE ENCOMENDAR - Livros em
francês podem ser encomendados
no site www.alapage.com.
Texto Anterior: + comportamento: Duplo Warhol Índice
|