São Paulo, domingo, 02 de maio de 2010

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EUROPA

Templo dos migrantes

Na Europa, organização cresce ao investir em comunidades de brasileiros e africanos

LUCIANA COELHO
DE GENEBRA

A Igreja Universal do Reino de Deus avançou na Europa capturando oportunidades que surgiram com a crise financeira. Empreendedorismo e recolocação profissional são hoje o principal foco de sua atuação.
Sob vários nomes, a igreja -que na Europa é comumente chamada "centro de ajuda"- diz estar em 14 países do continente, do óbvio Portugal, sede do braço midiático da Universal, à inusitada Romênia.
Sua forma de atuação se assemelha mais a uma rede de franquias do que a uma multinacional coesa. Mas o faro para necessidades locais é uma constante. Em Portugal e na Espanha, onde as taxas de desemprego estão no pico, oferece workshops de capacitação profissional. Na Inglaterra, tem um centro de recolocação.
"É assim que eles estão avançando entre outras classes sociais [mais altas]", diz a socióloga portuguesa Helena Vilaça, da Universidade do Porto, que pesquisa minorias religiosas.
Expoente disso é o presidente da Record Internacional, Aroldo Martins, guru motivacional e pastor licenciado cuja página na rede social Facebook anuncia palestras e livros que investem na autoconfiança.
Ir ao culto também significa fazer parte de uma rede social. É ali que as pessoas buscam trabalho, clientes, ajuda, apoio e acabam prosperando.
Um brasileiro em Genebra, que não quis se identificar, conta que uma amiga passou a frequentar o culto em Zurique em busca de clientes para sua agência de remessas financeiras. "Depois que ela começou a ganhar dinheiro, virou devota."
"Eles [a Iurd] estão muito sintonizados com os problemas modernos", frisa Vilaça.
A transição para essa fé é facilitada pela adoção de símbolos de outras religiões. "Há um conjunto de rituais que não estão longe da religiosidade popular. Eles falam contra imagens de santos, mas usam águas e óleos bentos. É fascinante, é um paradoxo", diz ela.

Terapia em grupo
Num culto em português em Genebra -há também em francês, voltado aos imigrantes africanos-, o tom é de terapia em grupo. Fiéis e pastor trocam histórias familiares. Para mulheres de meia-idade, o discurso citava filhos rebeldes e maridos distantes.
"A igreja acaba oferecendo às pessoas um lugar para liberar tensões ao qual de outra forma elas não teriam acesso", explica Vilaça. O pastor Antonio, em Genebra, deixa claro: "Em vez de incomodar seu vizinho, incomode Deus". O discurso cai divinamente para imigrantes latinos em uma sociedade em que individualismo e privacidade são mais valorizados do que naquelas de onde vêm.
O dízimo é pregado quase como um plano de seguro-saúde versão milagre: você não é obrigado a pagar, mas sabe que pode precisar um dia.
"Benditos os que creem antes de ver", grita Antonio, pontuando a pregação com histórias bíblicas de devotos que deram o que não podiam e receberam milagres em troca. "É importante dar o dízimo mesmo quando você não tem, porque dar o que tem é fácil."
A ex-costureira e hoje babá Maria da Graça, 61, acha que no dia em que parar de ir ao culto sua vida afundará, como aconteceu há 15 anos, quando procurou a Iurd em Osasco (SP).
"Estava no fundo do poço, fui morar numa favela", diz. Desde 2006 ela vive em Genebra, em apartamento que aluga sozinha, e trabalha como babá apesar de seu francês parco. A filha Tânia casou-se com um suíço ateu e trabalha no McDonald's. Maria da Graça acha que é tudo obra divina. "Até a sogra da minha filha admite que a religião faz bem a ela e respeita", sorri. "Sabe, aqui na Europa é todo mundo criado para ser ateu."


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