|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
Império Universal
Igreja neopentecostal cresce mundialmente,
exporta sua hierarquia chefiada por brasileiros
e enfrenta acirrada concorrência religiosa
Expansão se apoia em mix de racionalismo empresarial
com arcaísmo mágico
|
Lucília Monteiro - 2004/"Visão"
|
|
O bispo Edir Macedo durante
culto na cidade do Porto, em Portugal
RICARDO MARIANO
ESPECIAL PARA A FOLHA
Neste ano, o pentecostalismo completa um século no
Brasil, que, não
por acaso, é o
maior país pentecostal do
mundo, com mais de 30 milhões de adeptos. Em meados
dos anos 50, formou-se o movimento "O Brasil para Cristo",
cujo próprio nome delimitava
o escopo nacional de suas pretensões missionárias.
Mediante intenso uso do rádio e de fartas promessas de
cura divina, seus líderes conseguiram retirar sua religião do
anonimato, reduzir sua introversão sectária e acelerar sua
expansão. A partir da década de
80, o vertiginoso crescimento
da corrente neopentecostal,
encabeçada pela Igreja Universal do Reino de Deus, radicalizou a ocupação pentecostal da
esfera pública, por meio de vultosos investimentos em rádio e
tele-evangelismo e do ingresso
na política partidária.
Foi no contexto da redemocratização do país e da arrancada da globalização que as igrejas evangélicas intensificaram
a internacionalização de seu
proselitismo, invertendo, assim, o sentido Norte-Sul do fluxo missionário e a velha condição do Brasil de campo de missões europeu e norte-americano. Investindo-se de autoridade moral e religiosa e de ardor
salvacionista, arrogaram-se o
direito de evangelizar os países
ricos do hemisfério Norte e o
restante do planeta.
Fazendo jus a suas ambições
globalizantes, a Universal iniciou as primeiras missões no
exterior em meados dos anos
80, começando por Estados
Unidos (1986), Uruguai (1989),
Portugal (1989) e Argentina
(1990). Na época, Edir Macedo
[líder da igreja] tinha a convicção de que Nova York, onde
morava, era "o centro de todas
as nações do mundo como Roma era no tempo de Jesus" e
que de lá poderia formar um
centro de evangelismo mundial, a partir do qual enviaria os
imigrantes convertidos como
missionários a seus países de
origem para auxiliar na implantação da igreja. O projeto
fracassou.
Foi somente a partir da década de 90, com o envio de levas
de pastores e bispos brasileiros
apoiados, a seguir, por estrangeiros elevados ao pastorado,
que a denominação cresceu.
Conseguiu fincar pé em toda a
América Latina, na América do
Norte, em boa parte da Europa
e da África, em alguns países da
Ásia e, por último, em certos
lugares do Oriente Médio e da
Oceania.
Racionalismo e magia
Comandada sempre por dirigentes brasileiros, sua expansão, no país e no exterior,
apoia-se numa gestão eclesiástica centralizada e arrojada,
num mix de racionalismo empresarial com arcaísmo mágico. Baseia-se também no controle de uma voraz máquina de
arrecadação legitimada pela
Teologia da Prosperidade, no
evangelismo eletrônico, numa
combatividade induzida por
doutrinas da guerra espiritual e
na oferta sistemática de mensagens e serviços mágico-religiosos adaptados ao contexto
local e às demandas materiais e
de atribuição de sentido de
seus distintos públicos-alvo.
Nos templos, tece redes de
sociabilidade, oferece apoio
emocional, terapêutico e assistencial a fiéis e virtuais adeptos.
E, diuturnamente, lhes promete prosperidade, libertação do
sofrimento e solução divina para seus males afetivos, psíquicos, familiares, financeiros e de
saúde, acalentando esperanças
de ascensão social.
De modo obsessivo, aciona, a
todo instante, discursos persecutórios e agonísticos referentes a discriminações e perseguições supostamente efetuadas por forças espirituais e
agentes terrenos demoníacos
contra a igreja e seus líderes,
para desancar a concorrência e
mobilizar os fiéis. Assim, tenta
desqualificar as acusações externas, reforçar sua união, engajá-los na "obra" e enredá-los
numa identidade religiosa sectária em prol dos interesses
institucionais da denominação.
Resultado: em 2000, a Universal já estava em cerca de 80
países. Hoje, informa estar em
172. No conjunto, seu êxito no
exterior é extraordinário. Sua
atuação, porém, é rarefeita em
muitos deles, sobretudo em
países da Ásia, do Oriente Médio e da África com baixa presença cristã e com ampla maioria budista, hindu, judaica e
muçulmana.
Nessas regiões, enfrenta árduas barreiras, como elevadas
distâncias culturais e linguísticas, resistências fundamentalistas, restrições jurídicas e políticas à liberdade religiosa, ao
pluralismo religioso, ao proselitismo e ao uso da mídia eletrônica.
O portal Arca Universal
(www.arcauniversal.com)
acusa o golpe, por exemplo, ao
alertar que a igreja se instalou
na Tanzânia "em meio a muita
perseguição", que "não é fácil"
evangelizar os russos com seus
"hábitos comunistas", que vigora "grave intolerância religiosa" na Índia.
Fé e oferta
Na contramão da opção de
muitas igrejas pelo evangelismo "subterrâneo" nos países
mais fechados à prédica cristã,
a Universal mantém-se inflexível no propósito de exportar
sua pesada estrutura eclesiástica para onde quer que vá, o que
se mostra contraproducente
em muitos lugares. Por isso, na
Ásia, obtém sua melhor performance no Japão, onde praticamente se limita a arrebanhar
parte dos decasséguis brasileiros e latinos.
Na Europa, tem de lidar com
a vigorosa secularização e com
uma população majoritariamente refratária a assumir
compromissos religiosos em
moldes tradicionais. São desafios quase insuperáveis para
uma igreja com fortes pendores
sectários e cuja mensagem central enfatiza a polêmica fusão
entre fé e oferta financeira e
reatualiza crenças mágicas e rituais exorcistas cristãos.
Nesse contexto, suas estratégias e técnicas adaptativas, embora criativas e pragmáticas,
tendem a se mostrar pouco eficazes. Daí sua forçosa opção pelo recrutamento de imigrantes
brasileiros, latinos, lusófonos e
africanos e demais grupos discriminados ou em situação de
vulnerabilidade social.
A exceção mais notável a seu
desempenho relativamente
modesto na Europa é Portugal,
onde dispõe de amplo número
de templos e adeptos, rede de
rádio, obras sociais e muitos
pastores de origem local. Nesse
país, a língua, a proximidade
cultural e o robusto catolicismo
popular facilitam seu proselitismo diante de imigrantes latinos e africanos e a portugueses
do interior.
No continente africano, ao
contrário, cresce muito. Seu
desempenho se destaca nos
países lusófonos, nos quais dispõe do suporte midiático da
Rede Record, na Costa do Marfim e, em especial, na África do
Sul, onde reúne centenas de
milhares de fiéis em enormes
templos lotados e cultos animados por danças nativas.
Expande-se na cola do avanço pentecostal no centro-sul do
continente e, principalmente, à
custa de igrejas cristãs e de religiões africanas tradicionais, cujas crenças em feitiçaria, bruxaria, espíritos malignos, sortilégios e amuletos são compartilhadas e, ao mesmo tempo, estrategicamente demonizadas
pela Universal.
Na América do Norte, cresce
moderadamente nos EUA, onde prioriza a atuação em cidades e Estados com maior presença de imigrantes brasileiros
e hispânicos. No México, esmagadoramente católico e sob a
onipresença da Virgem de Guadalupe, após permanecer uma
década sob severas restrições
jurídicas e ter dezenas de pastores expulsos, conseguiu legalizar sua situação e, nos últimos
anos, deslanchar seu crescimento.
América do Sul e América
Central, regiões onde o pentecostalismo mais cresce no
mundo, constituem terrenos
dos mais férteis para a Universal. No campo religioso, explora habilmente elementos simbólicos da difusa religiosidade
popular, também mágica e
taumatúrgica, e a relativa fragilidade institucional do catolicismo, historicamente pouco
praticado e munido de poucos
padres.
Nos planos jurídico e político, se beneficia de ampla liberdade religiosa e da consolidação do pluralismo religioso. Na
esfera social, tira vantagem do
desespero e dos anseios das
massas pobres e excluídas pelo
capitalismo flexível, vítimas
preferenciais da violência que
assola a região, da precarização
do trabalho e das péssimas
condições de vida nas periferias urbanas.
Futuro
Embora a marcha global da
Igreja Universal esteja só no
começo, certas tendências podem ser entrevistas. No exterior, está predisposta a enfrentar pleitos por autonomia e cismas de corte nacionalista. No
médio prazo, nada permite supor que conseguirá alterar sua
modesta performance na Ásia
(a não ser uma improvável democratização da China) e na
Europa. Da mesma forma, nos
EUA deve manter-se restrita à
disputa com igrejas pentecostais latino-americanas e com o
catolicismo por hispânicos.
No continente africano, terá
de pescar cada vez mais no
aquário cristão e enfrentar
aguerridas e eficientes igrejas
pentecostais nativas. Haja vista
que a proporção da população
vinculada a religiões tradicionais, além de relativamente pequena, vem diminuindo. A isso
se soma o fato de que nem cristianismo nem islamismo conseguem crescer significativamente à custa um do outro na
África subsaariana, segundo recente pesquisa do Pew Research Center.
No Brasil e em outros países
da América Latina, a pluralização do campo religioso, a explosão pentecostal e a crescente
concorrência religiosa têm estimulado um paulatino processo de revigoramento comunitário e institucional do catolicismo. Tal reação tenderá a reduzir o espaço social e religioso de
ação dos pentecostais nas próximas décadas e, por consequência, o tamanho e a velocidade de seu crescimento. Fenômeno que pode resultar também de uma diminuição prolongada da pobreza na região.
A expansão pentecostal e a
emulação bem-sucedida do
modelo de gestão e das técnicas
e estratégias proselitistas da
Universal -vide, entre outras,
a Igreja Mundial do Poder de
Deus- vêm recrudescendo a
competição em seu nicho de
mercado. Ambos tendem a
saturá-lo e a impor limitações
recíprocas aos concorrentes
pelo recrutamento de novos
adeptos.
Na hipótese de ocorrer uma
rápida redução do número de
novas adesões, a Universal se
verá pressionada a efetuar mudanças em seu "modus operandi". Terá de equilibrar seu atual
evangelismo de massas, focado
na oferta de soluções mágicas
pontuais e imediatistas, com a
adoção de um modelo de associação religiosa mais comunitário, baseado em compromissos
de longo prazo e na promessa
enfática de salvação extramundana. Estes recursos são cruciais para reter duradouramente os fiéis, reduzir a clientela
flutuante e torná-la uma igreja
cristã mais convencional. Algo
que, no alto de sua triunfante
expansão global, ela não pretende ser.
RICARDO MARIANO é sociólogo, professor da
Pontifícia Universidade Católica (RS) e autor de
"Neopentecostais" (ed. Loyola).
Texto Anterior: +(L)ivros: Cidadão Luce Próximo Texto: Europa: Tem plo dos migra ntes Índice
|