São Paulo, domingo, 02 de julho de 2000


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+ 3 questões Sobre língua portuguesa

Como avalia o seu uso nos meios de comunicação brasileiros?
Em que medida a Internet está transformando o português?
É favorável à unificação da ortografia dos países lusófonos?

Evanildo Bechara responde


1.
De modo geral, eles cumprem de maneira cabal seus próprios objetivos de comunicação, isto é, o artigo de fundo está vazado num nível e num registro de língua adequados ao tema, assim como as demais matérias se inserem nos seus níveis e registros convenientes: o técnico (de economia, saúde, política etc.), o coloquial (das crônicas esportivas e notícias do dia-a-dia) e assim por diante. Essas variedades constituem a língua histórica portuguesa na diversidade regional, social e estilística. A inadequação só se dá quando, por exemplo, um político quer falar ou escrever para o país como um cronista esportivo ou como fala com seu conterrâneo, no clube local.

2.
Em nada. A Internet tem seu espaço (breve) e hora para ser utilizada. É como se perguntássemos em que medida a linguagem do telegrama ou dos anúncios quase cifrados de compra e venda de jornais tem alterado a língua portuguesa. A Internet, pela sua especificidade, exige ou propicia um tipo de texto especial. Também aqui a inadequação consiste em querer redigir um texto qualquer fora da Internet como se fora para ela, ou vice-versa. Todo texto -na Internet ou não-, como toda expressão linguística, deve estar adequado às idéias, ao interlocutor e às circunstâncias.

3.
Toda língua de cultura tem seu sistema gráfico unificado: assim acontece com o francês, o inglês e o alemão, para só falar do que se costuma impropriamente chamar língua de expressão científica. Se se apelar para línguas de grande diversidade geográfica, citarei o espanhol e o italiano, para cingir-me ao mundo ocidental. Portanto é de todo factível e louvável que o português tenha um único sistema ortográfico como instrumento de escrita dos países lusófonos. Para tanto, basta que se fuja de princípios básicos que têm alicerçado as reformas ortográficas portuguesas e brasileiras desde 1911 até hoje, princípios que se esforçam não em representar apenas na escrita os fonemas da língua, mas em, pela escrita, querer ensinar às pessoas a pronúncia correta das palavras.
Este não é o papel da ortografia; é o papel da ortoepia e da prosódia, capítulos da gramática que devem ser ensinados na escola, no teatro, no rádio, no convívio com as pessoas que sabem a língua. Repare-se que nenhuma das ortografias unificadas aqui lembradas nos diz muita coisa de como se devem pronunciar as palavras, os timbres das suas vogais e qual a sua sílaba tônica. A solução, como disse, é factível; basta uma nova orientação, inteligente, racional e econômica. De outra maneira, jamais chegaremos à unificação desejada por brasileiros e portugueses.

Moacyr Scliar responde


1.
Em relação à imprensa escrita, acho mais do que adequado o uso do idioma. Na verdade, houve um grande progresso nessa área. As gafes, que antes faziam a delícia dos críticos, estão se tornando cada vez mais raras. Pelo que tenho observado, como escritor que frequentemente dialoga com o público, um número não pequeno de leitores, especialmente jovens, está chegando ao texto via jornal, o que é ótimo. Isso é facilitado pela linguagem ágil dos veículos; e é às vezes dificultado pela tentativa de fazer "grande literatura". "New journalism" à parte (e não é esse um capítulo encerrado?), a sobriedade ainda é o melhor. Já no rádio e na TV as coisas se tornam mais relativas, dependendo muitas vezes de apresentadores. Há programas em que o idioma passa por uma verdadeira fortuna.

2.
A Internet está, sim, transformando o idioma. Ainda não existe um "internetês" (ai!) semelhante ao economês, mas não é impossível que cheguemos lá, graças, por exemplo, ao uso sistemático de abreviaturas e de interjeições. O importante, porém, é que a Internet está de algum modo recuperando a palavra escrita entre os jovens -e ajudando a difundir textos literários. Mas esse é ainda um veículo muito novo e de alcance restrito. Precisamos esperar para ver o que vai acontecer. E precisamos estudar melhor as possibilidades de seu aproveitamento.

3.
Sou favorável, sim, à unificação da ortografia nos países lusófonos. Mais do que favorável à unificação, contudo, sou favorável à simplificação. Diz-se que a crase não foi feita para humilhar ninguém. Mentira. A crase foi feita exatamente para isso, para se transformar num instrumento de poder, bem como essa orgia de regras de grafia que inferniza nossa pobre gente. Diz-se que foi a Inglaterra que conquistou o mundo, e não Portugal, porque os ingleses não precisavam perder tempo acentuando palavras. Pior que isso, mal as pessoas conseguem aprender as regras, elas já estão mudando; é só ver a quantidade de reformas ortográficas feitas em nosso país. Precisamos de uma grafia muito simples, e, ouso dizer, democrática, que leve em conta as mudanças criadas pela própria população. O mandamento básico deve ser: não complicar.

QUEM SÃO

Evanildo Bechara
É professor da UERJ (Universidade Estadual do Rio de Janeiro), autor, entre outros, de "Moderna Gramática Portuguesa" (Editora Lucerna).

Moacyr Scliar
É escritor e colunista da Folha, autor, entre outros, de "Os Leopardos de Kafka" e "A Orelha de Van Gogh" (Cia. das Letras).



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